quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

DANIEL OLIVEIRA, MANUEL OLIVEIRA E O NON À VÃ GLÓRIA OU DIREITO DE MANDAR

«Às vezes uma música resume quase todas as angústias e revoltas de uma geração. Não precisa de grandes declarações ideológicas. Há uns dias, o grupo Deolinda pôs o Coliseu do Porto de pé. Uma frase simples - "que Mundo tão parvo em que para ser escravo é preciso estudar" - torna-se facilmente o grito de uma geração adiada. Impedida de sair de casa dos seus pais para construir as suas vidas, condenada ao recibo verde, aos caprichos dos negreiros a que agora se dá o nome de "empresas de trabalho temporário" e a salários miseráveis que lhe são pagos como se de um favor se tratasse.
Claro que nas colunas de jornais e de edições online lá estarão outros jovens que, como em todas as épocas, não se importam de ser os intelectuais amestrados do regime, e nas televisões muitos economistas ideologicamente encartados continuarão a dedicar-se aos ralhetes mediáticos à Nação. A tese continuará a ser a mesma: a desgraça desta geração resulta dos "privilégios" dos mais velhos. É sempre esta a teoria: não tens direitos porque outros os têm. O teu inimigo é o teu pai, o sindicato, o que tem contrato, o imigrante. O inimigo da tua dignidade é sempre a dignidade do teu vizinho. Convenientemente, a desgraça da geração 500 euros é a de haver quem ainda não tenha as suas vidas a prazo. E assim se poupa quem realmente lucra com o trabalho descartável.
Pode ser diferente? Pode. E tudo começa onde sempre começou: na capacidade das pessoas se revoltarem. Se as frases simples que se ouvem nesta música retratam tão bem as suas vida, só lhes falta fazer um pouco mais do que aplaudir. Se olharem para a história universal e dela tirarem a maior das lições: nunca a dignidade foi oferecida a ninguém. Foi sempre conquistada contra o que parecia inevitável.
Em baixo, deixo a letra de "Parva que sou". Podia bem ser o hino da primeira geração que, apesar de ser a mais bem preparada de sempre, parece estar condenada a viver pior do que os seus pais:
Sou da geração sem remuneração /E não me incomoda esta condição /Que parva que eu sou /Porque isto está mal e vai continuar /Já é uma sorte eu poder estagiar /Que parva que eu sou /E fico a pensar /Que mundo tão parvo /Onde para ser escravo é preciso estudar /Sou da geração "casinha dos pais" /Se já tenho tudo, pra quê querer mais? /Que parva que eu sou /Filhos, maridos, estou sempre a adiar /E ainda me falta o carro pagar /Que parva que eu sou/E fico a pensar /Que mundo tão parvo /Onde para ser escravo é preciso estudar /Sou da geração "vou queixar-me pra quê?" /Há alguém bem pior do que eu na TV/Que parva que eu sou/Sou da geração "eu já não posso mais! /"Que esta situação dura há tempo demais /E parva não sou /E fico a pensar, /Que mundo tão parvo /Onde para ser escravo é preciso estudar» Fonte: Daniel Oliveira
A realidade bem descrita por Daniel Oliveira tem em si a razão da omissão do povo Português na defesa da sua ""  soberania"  como povo,  numa revolta que recorrentemente se consubstancie apenas na emigração.
O povo Português não faz ouvir colectivamente a sua voz,  não faz levantar a sua voz perante elites políticas que se apropriam do espaço público e que ainda arrogantemente tratam mal os seus representados. 
Fá-lo só a deshoras nas paragens de autocarro em baixinho, ao tomar a bica ou no conforto do lar.
Não se exige de um povo que se revolte nas ruas, que assalte os seus museus, que pegue ""  fogo às ruas". Um povo que o não faz, pode ser até sábio. Mas não tenhamos dúvidas que só no calor da luta pela verdadeira representatividade e pelo diário pedido de contas é possível ter decência, justiça e uma real democracia. Até porque só ela é que pode trazer motivação para um trabalho com vontade e operante.
Quando se fala de produtividade, esquecemos que a motivação faz parte dessa equação, mas só há motivação com cultura de cidadania seja por parte de quem executa, seja por parte de quem se arroga o direito de mandar.
Non à vã glória ou direito de mandar, poderia ser o próximo retrato de Manuel de Oliveira!

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