sexta-feira, 5 de março de 2010

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DE PORTUGAL, PELO CORTA FITAS

Infortúnios de quem pede que lhe dêem música por José Mendonça da Cruz do Corta-Fitas

«O Partido Socialista fala bem aos Portugueses. Fala bem aos Portugueses há muitos anos. Infelizmente para os Portugueses, o que o PS tem para lhes dizer e aquilo que eles pedem ao PS que lhes diga dirige-se com cinismo certeiro às debilidades mais caracteristicamente portuguesas. E traduz-se em maus resultados: baixa produtividade, baixa competitividade, desemprego, desigualdade, atraso, desorganização, empobrecimento, subalternidade, desprestígio.


Mário Soares sabia falar aos Portugueses. Quando a preparação e o rigor seriam bens altamente benéficos para um país acabado de chegar à democracia, Soares cultivou um desprezo soberano pelos dossiers económicos e financeiros. O seu era o reino da bonomia e da política. Apodados de «tecnocratas» e descartados como incultos (a esquerda sempre usou a cultura como arma de arremesso) eram todos os que lançassem um olhar mais grave sobre o estado real da coisa pública. Soares tinha, é verdade, um módico de seriedade que o coloca a anos-luz de Sócrates, e - as coisas são o que são - soube recorrer a Ernâni Lopes na eminência da bancarrota.

Com Guterres, do esforço de 11 anos de Cavaco instando ao trabalho, ao rigor, ao esforço, à disciplina, às boas contas, não ficou pedra sobre pedra. Franco Nogueira citou no seu livro «Um político confessa-se» uma conversa em que Salazar lhe dizia: «Isto só se consegue puxando muito (...) Somos assim: temos grandes rasgos, somos capazes de grande coragem, e isto dura enquanto se puxa. Mas depois cai, e volta tudo atrás.»
Cavaco caiu e tudo voltou atrás com Guterres. O homem que nem sabia o PIB do país que queria governar, desgovernou-o agradando para um lado e o outro, aboletando a mesma legião de boys que disse que não aboletaria, protelando, gastando, engordando Estado e défice e dívida. Mas era fluente na pauta mágica: «É a vida.» «Não há-de ser nada.» «Distensão.» «Depois se verá.» «Salvo erro.» «Consenso.» «Qualquer dia.» Tinha, é verdade, um módico de bom senso e vergonha. Fugiu quando já se atolava no pântano.


Sócrates é bastante pior, Sócrates foi bem mais hábil.
Sócrates falou sobretudo à inveja. As farmácias, a culpa é das farmácias que ganham rios de dinheiro com os medicamentos dos Portugueses desvalidos. Os juízes, a culpa é dos juízes que fazem 3 meses de férias, privilegiados, preguiçosos, enquanto labutam os esforçados Portugueses. Os ricos, a culpa é dos ricos que merecem um Robin dos Bosques para finalmente serem ricos os pobres Portugueses. Os professors, a culpa é dos professores, relapsos e contumazes, calões que descuram os rebentos dos Portugueses. Os bancos, a culpa é dos bancos e banqueiros, que têm bónus e eficiência e lucros, que, se não os tivessem esses plutocratas, seriam o bem-estar dos Portugueses. Os funcionários, a culpa é dos funcionários, legião de inúteis, ingratos em postos vitalícios, insensíveis à crise, malandros.
E os Portugueses - demasiados Portugueses ... aliás, demasiados mortais - gostam que os convençam (mesmo não ficando convencidos) de que a culpa não é deles, é de outros. Assim consolados, alijados dos remorsos, os Portugueses deixaram ovinamente que Sócrates trouxesse a economia para os bastidores do poder e pusesse o poder nos bastidores da justiça, da informação, da construção, da banca, das empresas, da saúde, da cultura. Sócrates ajustou directamente, fez-se pioneiro distribuindo 900 milhões de euros nossos em Magalhães para as criancinhas, proclamou-se vanguarda por ter um superavit da balança tecnológica que afinal representa 6 horas do crescimento diário da nossa dívida. Dívida? Não importa. Sócrates invocou Keynes na vulgata, reuniu 2 construtoras e 2 bancos, e prometeu-nos um futuro risonho a pagar muitos comboios, aeroportos, auto-estradas e pontes, pela modernidade, contra a periferia. E pagou a propaganda e festa em nosso benefício com o nosso dinheiro 
O défice agigantou-se, os 9 impostos subiram, a economia estiolou, a dívida tomou o freio nos dentes, as falências diárias dispararam, a liberdade foi sendo condicionada, a mobilidade social caiu na comparação com toda a Europa, o desemprego bateu recordes. Mas Sócrates teve ainda a ajuda de uma crise internacional gravíssima com que procurou mascarar a sua própria, prévia e gravíssima crise. E aproveitou-a para nos falar ao descaso, ao improviso, ao gosto do assistencialismo, à nossa volúpia de saber como os estrangeiros nos olham e à nossa senda gloriosa no Mundo : «Temos que ser optimistas.» «Portugal é um oásis.» «Descansem que o Estado trata de tudo.» «Juntos venceremos a crise.» «Estamos muito melhor que os outros.» «Somos combativos.» «Não somos Velhos do Restelo.»
Mas era tudo mentira. Agora, os Portugueses começam a compreender que era tudo mentira. E que - se calhar - era verdade o que disseram bem a tempo os «pessimistas», a gente «de braços caídos», os «velhos do Restelo», e «a velha», e «a bruxa», e os «descrentes», e todos aqueles «com quem não se pode construir o futuro».

Os socialistas governam desde 1995, há praticamente 15 anos ininterruptos.
O estado da Nação é o seguinte:
Desemprego: mais de 10% da população activa. Mais de 20% dos jovens.
Défice público: 9,3% do Produto Interno Bruto.
Crescimento em 2009: -3%.
Gastos correntes do Estado: 44,1% do PIB, não incluindo juros da dívida pública.
Dívida Pública: 76,6% do PIB.
Dívida Externa: 110% do PIB (a riqueza produzida em 1 ano já não chega para pagar o que devemos).
Carga fiscal: 20,3% superior à média europeia.

Os Portugueses terão força e inteligência para tirar a conclusão seguinte?
Querem ruptura ou mais música?»
Um agradecimento ao Corta-Fitas pela lição de história que se subscreve

 

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