terça-feira, 13 de outubro de 2009

M ... DE MAITÉ, DE MENOPAUSA, DE MADUROS ANOS, DE MALDITA COCAÍNA, A NÚ ... POSTA EM SOSSEGO DE SUA FAMA COLHENDO DOCES FRUTOS ...


Este post ia sendo um post de escarnário e mal dizer, de Tuga despeitado e enfurecido pelo desplante da Maité Balzakiana.

Mas não consegui! Não pela beleza da dama, mas pela irreverente estranha solidão que Maité exala na embocadura da sua biografia: afinal Maité faz-se de irreverente e de rebelde, mas na impenitência da sua vida, o que Maité precisa, para acalmar a dor que carrega desde criança, é de um forte e Lusitano abraço carinhoso que a reconduza à paz e ao tempo que lhe roubou a infância.

O único castigo a que a penitencio é a releitura do prefácio, de um seu livro, da autoria de Miguel Sousa Tavares, o nosso número 3 da metrópole dos recantos da moura encantada.
«Aprendi neste livro de crónicas da Maitê Proença que as mulheres também choram, não são só os homens. E, como mostra a escrita exposta da Maitê, choram com as coisas normais que fazem chorar os seres humanos: a dor da perda, a saudade, a solidão, o ciúme, o amor, a traição, o abandono.
Oh, que ventania de ar fresco! Eu estava convencido, lendo as crónicas femininas-feministas das nossas cronistas portuguesas, que as mulheres tinham conseguido sublimar definitivamente essas fraquezas da alma e pairar lá no alto, num território etéreo onde não existem vícios nem fraquezas, apenas iogurtes magros, saladas verdes, carreiras profissionais sempre em ascensão e o inigualável prazer de se contemplarem no espelho - horas, dias, anos a fio - e todas essas horas, dias, anos, gostarem do que vêem, sem uma dúvida, sem um estremecimento. Eu estava quase à beira de me deixar ficar convencido pela veemência das nossas cronistas que as mulheres de hoje vivem ao abrigo de enganos e desenganos e, sobretudo, ao abrigo do bicho-homem e das suas miudezas.
Nelas me vi reduzido à simples função de ocasional instrumento de prazer ou de escort-boy para fins sociais, a uma luz tão crua e aparentemente tão fria, que nem no tempo do meu bisavô os machos ousavam imaginar assim a função das mulheres. E, aos poucos, fui-me conformando à ideia de que, fora excepcionais situações de pura sorte, o destino inelutável de ambos os sexos era o de definitivamente se separem e cada um aprender a viver por si- não apenas fisicamente, mas culturalmente, emocionalmente. Nas minhas piores previsões, antevi os tempos em que a ciência trataria de encontrar uma resposta para este desencontro, inventando um terceiro sexo no qual os outros dois se abasteceriam - para fins sexuais, de procriação ou simplesmente para passar férias ou conversar um pouco, de vez em quando.
Mas olha que, afinal, uma actriz de talento consagrado, uma mulher bonita, inteligente e sensível, me vem dizer, sem pudor nem medo, aquilo em que eu sempre acreditei: que o amor é o verdadeiro motor da história (desculpa lá, Marx!), que toda a escrita é sobre amor ou não presta, toda a música é sobre amor ou não presta, mesmo toda a solidão é por causas de amor ou é inútil, toda a vida é em nome do amor ou não faz sentido. E por isso é que, porra!, gritamos, choramos, silenciamos, acordamos felizes ou adormecemos tristes, por isso é que há manhãs limpas ou dias cinzentos, noites de luar ou noites de breu, por isso é que nenhum pôr-do-sol é igual a outro.
A Maitê faz isso, escreve isso, sem cerimónias, sem disfarces, sem embustes. Conta ela, numa das crónicas, que às vezes lhe perguntam se o que escreve sobre si e sobre a sua vida é verdade ou é invenção. A pergunta é insidiosa e estúpida e só dá vontade de dar duas estaladas ao leitor que assim pergunta. Todos os escritores misturam verdade com ficção e toda a ficção é uma forma de verdade mais íntima, mais escondida: para ser descoberta e não para ser devassada. O sal e a pimenta, a luz das crónicas da Maitê, é exactamente esse jogo entre o confessado e o imaginado, entre o que foi e o que podia ter sido, entre a vida que passa e se agarra e aquela que escorrega diante de nós e só a agarramos em pensamento.
Uma crónica é um género literário muito especial, com regras próprias: exige entrega e desprendimento. Entrega quando se escreve, desprendimento quando se acaba e se passa à seguinte. Não existe nelas verdade nem mentira, existe entrega e desprendimento. É nossa e deixa de o ser, depois. Mistura sonhos com realidades, factos com possibilidades, encontros com eternas buscas, amores impossíveis com amores verdadeiros - que são os possíveis. Por isso, não há cronistas verdadeiros e cronistas mentirosos. Há, sim, cronistas sérios e entertainers da escrita. Pegamos no livro da Maitê e sabemos, vimos logo, que ela é séria e que o assunto é sério. Não escreve por passatempo mas porque o tempo passa e escrever é o único remédio, o único alívio, a única vingança contra o tempo que escorre.
Aqui, actriz e autora do seu próprio texto, ela resgata, com brio e com paixão, a imagem de mulher sobre a qual gerações de escritores escreveram, compositores cantaram, pintores deslizam e aos deuses inspiraram. Bem-aventurados os que sentem: os que choram, que sofrem, que têm vícios e fraquezas, dúvidas e não certezas, os que caminham à toa ou aos tropeções, os que buscam a luz no meio da escuridão, os que são honestos com a vida, os que partilham a alegria e o sofrimento, os generosos.
E os que confiam à escrita o que nem às paredes confessam.»


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