sábado, 5 de setembro de 2009

O PORTUGAL REAL DE SÓCRATES E TEIXEIRA DOS SANTOS


Por vezes, a descontracção pode ser uma forma válida de lidar com a adversidade. É possível encontrar nos lados mais negros da vida uma ou outra razão para sorrir. Mas quando Paulo Sousa, de 42 anos, o faz é porque a experiência lhe tem mostrado que há coisas ainda piores do que perder o ganha-pão. É assim, sorrindo, que se senta à nossa frente: "Estou no activo do desemprego".

Não serão aqui chamadas as vicissitudes pessoais que levam a tal atitude, mas a circunstância de algum optimismo persistir neste homem que, posto sem trabalho pelo fecho da unidade de Valongo de uma multinacional americana, a Lear, tem visto fechadas as portas de regresso à vida activa, quantas vezes por a idade, sendo pouca de facto, pesar como chumbo no recrutamento pelas empresas. Desde Março de 2007, Paulo é um dos que engrossam as fileiras do desemprego, que recentemente ultrapassaram a barreira psicológica das cinco centenas de milhares. Para o Governo, que iniciou a legislatura prometendo 150 mil postos de trabalho, este revés é um dos mais duros efeitos da crise internacional. Para a Oposição, trata-se da falência das políticas do Executivo. Para os desempregados, é a escuridão de um túnel sem fundo à vista.

Naquela empresa, especializada em componentes eléctricos para automóveis, Paulo, que fez de tudo um pouco ao longo de 17 anos, da produção ao trabalho de escritório, foi delegado sindical durante três anos e diz que tal lhe valeu "muitos problemas": "Fui para o escritório e ouvia muita coisa. Então, mandaram-me para a produção outra vez".

Isso de ouvir pouco ou muito relaciona-se, em boa parte, com o controverso processo de encerramento da fábrica de cablagens, corolário de um processo de redução de pessoal que passou por rescisões por mútuo acordo e pelo despedimento colectivo de 45 trabalhadores, entre os quais a mulher dele, que permanece igualmente no desemprego. "Estamos os dois em casa, com duas filhas, de 14 e oito anos, e uma casa por pagar", descreve Paulo Sousa, explicando que os dois estão a receber o subsídio social, uma espécie de prolongamento da prestação de desemprego. No caso dele, a procura de trabalho vai sendo acompanhada da frequência de cursos de formação, cujos resultados práticos estão ainda por ver: "Já fiz um de formação de empresas, no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), fiz de informática e estou agora a tirar um de metalomecânica, concretamente de programação de máquinas de corte. Disseram-me que há mercado de trabalho nesta área, pode ser que esteja aí a minha saída".

Ainda tentou avançar com a criação do próprio emprego, através dos programas disponíveis no IEFP, mas assustou-o o risco que tal acarretava: deixar o subsídio para entrar num período três anos de ligação umbilical àquela entidade, que poderia significar a perda de pau e bola em caso de fracasso do projecto. "Vem qualquer pessoa de fora e tem mais ajuda do que um português", desabafa.

A área da carpintaria, em que trabalho em tempos, chegou a ser uma saída aventada, mas também aí não encontrou oportunidade. Ao longo deste tempo, diz que o IEFP apenas lhe apresentou uma proposta de trabalho, "para substituir uma pessoa doente, durante um mês". Nada de durável, portanto, que o fizesse largar a situação actual: "Em casa estou a ganhar mais e posso tirar cursos, para ver se tenho oportunidades melhores. Se não pensasse bem nas coisas, já tinha feito muita asneira na vida".

"Pelas leis que temos, os patrões fazem o que querem e lhes apetece. Foi o que a Lear fez", diz Paulo Sousa, lembrando que o encerramento da empresa gerou situações absolutamente dramáticas: "Tenho colegas que já entregaram a casa e o carro ao banco. Alguns já se separaram por causa desta situação. Havia muitos casais naquela fábrica".

Embora tarde em encontrar saída, recusa-se a ceder. "Nasci morto, já fui operado ao coração... Sempre consegui brincar com as adversidades da minha vida, e esta é só mais uma", diz. O que o move? A necessidade de garantir às filhas aquilo de que necessitam e, também, a esperança de que as coisas mudem: "Acho que isto vai virar para melhor, um dia. Este curso que eu estou a fazer, por exemplo, dá equivalência ao 12.º ano. Estou a fazer Matemática, a ver se deixo de ser velho para trabalhar, que é o mais importante".

É na religião, também, que encontra forças, ou, por reflexo, ao dirigir o grupo coral da capela de N.ª Senhora da Saúde, em Susão: "Faz passar o tempo e ajuda muito a cabeça. E ainda consigo dar apoio a muita gente".»

Para aqueles que tem uma enorme capacidade de nos inundar com lágrimas de crocodilo quando o que está em causa é a manutenção em cargos públicos a negra realidade é esta. Poderá Sócrates e quem tem falta de visão pensar que o problema é exclusivo da crise internacional. Esses, obviamente, são aqueles que desconsideram as competências, a experiência e a opinião dos outros.

A peça acima demonstra que Portugal só tem um caminho a seguir, e que passa por devolver aos Portugueses a sua capacidade de fazer, removendo as enormes peias que lhes tem sido criadas.

Quando os homens preferem ficar no desemprego a assumir o risco de criação do próprio emprego, algo se passa. Tentem lá adivinhar porquê, ou perguntar a quem podia criar riqueza e trabalho!

Um pequeno exemplo: para todos os que já se relacionam com as finanças através do seu portal, fica uma enorme vontade de permanecer no desemprego ao verificar a preocupação máxima desta entidade. O enunciado eventual de todos os bens à penhora, como se todos os contribuintes (mais tarde ou mais cedo tenham obrigatoriamente de cair nas malhas da brutal complexidade do sistema fiscal e da sua tolerância zero), fossem para o Estado apenas um enorme mealheiro sem fim para alimentar as ineficiências de um grande empresa monopolista de elites do poder, são um convite pleno ao baixar de braços de todos os que sentem que passaram a ser carne para canhão da engorda parasitária - de uma elite que acha que a formação in illo tempore, lhe dá direito e privilégio ad eternum de viver à custa do esforço de todos os outros.

Afinal quando é que deixamos de ser uma sociedade de antigo regime e de notáveis, onde o que conta é a via estreita do privilégio e do dinheiro?

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