“Se a Grécia ou outro país europeu entrar em incumprimento, quais são as perspectivas? Há vários exemplos de países que deixaram de pagar as suas dívidas e a vida deles não foi assim tão má”, disse ontem durante o IV Congresso da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED). E especificou: “A Rússia [entrou em incumprimento] em 1999, e voltou aos mercados ao fim de um par de anos. A Argentina [entrou em incumprimento] em 2001 – e antes disso teve vários anos de estagnação e de desemprego a aumentar. Depois do default cresceu muito rapidamente até à grande recessão de 2008.”
Este caminho, contudo, também não é fácil, alertou. “O processo é muito duro, não o recomendava a ninguém”, admitiu, sublinhando porém que “a vida depois da dívida” pode ser boa.
“Os fundos que eram aplicados no serviço da dívida, que iam para o estrangeiro, podem passar a ser usados na economia, no próprio país, desde que haja um excedente primário [saldo antes de incluir as despesas com juros]”, afirmou Stiglitz. Os contribuintes portugueses gastaram o ano passado perto de 7,3 mil milhões de euros com os juros da dívida pública, valor que este ano deverá atingir os 8,8 mil milhões de euros. Sem estes juros, e segundo o relatório do Orçamento do Estado para 2012, o corrente ano seria o primeiro em que se verificaria “um saldo primário positivo de 0,7% do produto interno bruto (PIB)”.
“Reduzir salários só agrava crise” Stiglitz abordou ainda a reforma laboral acordada esta semana [ver págs. 18/19] em sede de Cncertação Social. O Nobel da Economia, apesar de defender que “deve haver mais flexibilidade laboral” na Europa, lançou um alerta: “No entanto, isso às vezes é baixar salários em linguagem codificada. E reduzir os salários só agrava o problema numa crise, porque assim as pessoas não fazem compras”, explicou. Stiglitz considera que há coisas positivas a acontecer em Portugal – “o acordo de ontem [com os parceiros sociais] é uma delas, é uma política no bom sentido” –, mas que a saída da crise não pode ser feita só à custa “de austeridade”. “A austeridade pode, quando muito, prevenir a próxima crise, não cura esta. E mesmo esta não teria sido impedida. A Espanha e a Irlanda não tinham problemas de finanças públicas antes da crise financeira”, explicou ainda.
Sobre a situação portuguesa, o economista atirou ainda que as crises não são boas alturas para avançar com privatizações: “Acaba por se vender ao desbarato”, afirmou.
Euro sobrevive? “A verdadeira pergunta é mais: vai a zona euro sobreviver?”, atirou o Nobel, depois de ter sido abordada a hipótese de Portugal sair da moeda única. Stiglitz salientou que as reformas estruturais em curso na Europa “não vão resolver o problema”, já que demoram a ter um impacto significativo e até podem agravar as desigualdades nos países. A paranóia com a austeridade também não ajuda, assegura. “Nos últimos meses só se tem feito e falado em austeridade”, apontou, recordando que “a austeridade nunca resultou na resolução dos problemas económicos”. A confiança só se recupera com crescimento, finalizou.»