Entrevista semi-directiva a uma enfermeira, emigrante Portuguesa na Suíça, nos idos do milénio
Num primeiro momento quis focar-me na emigração pura e dura dos anos 60 e 70, momento alto de diáspora de um povo. Pareceram-me, no entanto, tempos já demasiado distantes, visão que se proporcionava pouco ao Portugal moderno de olhos postos no futuro que ambicionamos ser, nesta Europa a 27, onde se estranham e entranham soberanias e povos. Afinal, agora, já temos a cidadania Europeia, já nos denominamos de cidadãos Europeus, mesmo que uns pareçam ser, até na necessidade da emigração e das migrações, mais Europeus que outros.
Apoiando-me em (Trindade, 1995, p. 154), a alteração de designação de “países de acolhimento a países receptores”, denotando e reforçando no último quartel do século XX o toque Europeu a rebate do travar da emigração, com consequências na resolução recorrente de problemas internos de povos como o Português. O toque a rebate segue-se, nos países do centro, à crise petrolífera da década de 70 e às alterações na malha industrial. As políticas anti-migratórias Europeias, anos 70, princípios de 80, tornam-se um tempo de entrave Europeu à migração Portuguesa e às migrações das periferias em geral.
Acalmada a pressão sobre o ouro negro, a emigração para a Suíça afigurou-se, no entanto, como o novo caminho da emigração Portuguesa. A média anual de emigração Portuguesa, no período compreendido entre 1984 e 1992, aponta segundo (Marques, p. 2) as 13.000 almas. Muita emigração sazonal acabará mais tarde por passar a permanente, ajustando-se do trabalho de/da oportunidade para o trabalho por qualificação, fruto de um melhor conhecimento e integração da língua e da sociedade do acolhimento. O período subsequente até ao final do século, sobre o qual versará a minha entrevista particular de investigação, assistirá a uma diminuição deste quantitativo médio anual. Consequência das assimetrias geo - económicas
[1] de ambos os países, a emigração Portuguesa assume-se à data como substituta de emigrações que tinham feito no interior da sociedade Suíça o seu percurso de mobilidade social. A construção civil e a hotelaria - restauração abrem-se à sazonalidade de trabalho e à permanência, de acordo com as estritas regras territoriais Suíças sobre imigração. A emigração para sectores mais exigentes em termos de formação e qualificações, como a banca e serviços de saúde, crescerá de base baixa, mas lenta e paulatinamente no próximo futuro, acompanhando o crescimento geral de qualificação dos Portugueses. A tabela 2 constante em (Marques, p. 5) da repartição sectorial por nacionalidades em 1982, 1991, 1997, permite-nos “visualizar” não só a diminuição de uma emigração mais indiferenciada, mesmo se ainda a níveis percentuais altos e maioritários, como esse crescimento, ou redistribuição, qualitativo. O “argumento” do trabalho de (Marques), no país das montanhas, da banca e do chocolate, dá-nos assim uma visão clara sectorial, reflectindo na distribuição o baixo patamar geral de inserção profissional dos emigrantes Portugueses. O tornear do século assistirá, como já disse, a uma melhoria razoável na distribuição, permitindo “saudar” um crescimento acentuado em sectores mais privilegiados e considerados, como a banca, o sector da saúde, o comércio, os transportes e serviços em geral, denunciando esse aumento da qualificação profissional alguma mobilidade vertical dos velhos e novos emigrantes.
O século XXI e o fim da última década do anterior, parecem fazer recuar os índices de sustentação humana
[2] da sociedade Portuguesa a valores próprios de outras décadas do já esquecido século anterior. Afinal já, hoje, no rectângulo, se fala claramente da década perdida. E o caminho imponderado e insensato será apenas conjuntural, ou não será novamente o “destapar de uma estranha forma de estar?” com o paulatino agravar do saldo custo – benefício da aposta na formação nacional, sinal que nos é dado por Perspectivas em
http://espectivas.wordpress.com/2009/10/09/ei-los-que-partem/, numa perspectiva - expectativa de futuro, rematada por um poema de Manuel Freire. Nos idos de 1990 os sinais estavam lá! Mas Braga, pai, ainda não dizia nem contava em blog esta história de vida: “Acabo de me despedir do meu filho mais velho que, residindo na Suíça onde trabalha desde que acabou o curso, veio de carro buscar a minha nora e a minha neta… O meu filho mais novo já me diz que mal acabe o curso vai daqui para fora. Andamos a formar quadros técnicos de alta qualidade e a desenvolver massa cinzenta para que outros países da Europa disso tirem proveito. Durante muitos anos, Portugal foi um país de emigrantes; a partir da década de 90 passou a ser um país de imigração. Com o Tratado de Lisboa e com a política de Sócrates, Portugal será cada vez mais um país em que os píncaros emigram e de acolhimento de matéria-prima em bruto; passaremos a prescindir do nosso melhor para ter que aceitar uma qualidade inferior alienígena. Exportaremos a prata da casa para importarmos o excedente que a outros países não faz falta. Ei-los que partem…e com eles vai o meu coração.” (Braga)
Enquadrado o sequente caso nas tendências evidenciadas pela emigração Portuguesa no período e local em referência, não podia deixar de incrustar, neste primeiro momento, este excerto supra da história de vida da emigração Portuguesa, impregnado de laivos da técnica de pesquisa designada por história de vida, numa recorrência e replicação por motivos que poucos estranham porque aparentemente entranhados na idiossincrasia de um povo.
[3]
Como último momento, segue a entrevista semi – directiva, com o humor e direccionamento possível, relativamente a um povo cáustico que não poupa nas palavras. Ser “guionista” de um povo assim, não é tarefa fácil, povo “poeta” com muita veia ficcional e uma cultura feita de fado e de diáspora.
À procura de informação, para “alimentar” um estudo comezinho sobre o porquê da escolha da Suíça como local de emigração em concreto nos idos do milénio, espaço - destino emigratório particular, encontrei-me em Gèneve embora atrasado em 20 minutos, com uma emigrante Portuguesa de seu nome Vitorina Nemésia! tendo por cenário de fundo o Lac Leman
[4].
Um pouco à medida daquele jogo da minha infância, “o jardineiro com a sachola no jardim”, e de molde a não perder as “rédeas” da entrevista, estruturei mentalmente os três “porquês que me iam guiar”: os motivos que levaram ao acto migratório, a escolha do país em concreto, o tempo migratório previsto! Desta entrevista, fictícia, longa, difícil por excesso de voluntarismo do lado oposto, semi-directiva e de que fui sistematicamente vítima do supérfluo, ficou gravado, passando na íntegra para a história, o seguinte:
P.S
[5].: Vitorina?!! O que a levou a emigrar?
V.N.: Como calcula não foi e foi o “mau tempo no canal”, porque sou da região do Vale do Ave. A neve e o frio também não me preocuparam porque, como sabe, o Vale do Ave tem outros obstáculos não naturais que dão verdadeiros calafrios! Dentro de casa, aqui, no entanto, a opção é a T-Shirt. Em Portugal, país de brandos costumes e clima, a opção era o xaile! De preferência de croché!
P.S.: Estava desempregada em Portugal?
V.N.: Não, não! Tinha um “excelente” emprego! Percorria as sobreviventes fábricas de vestuário do Vale do Ave como apoio de Medicina do Trabalho, a maioria das vezes para detectar problemas articulares, tendinites e más posturas. Sabe, ergonomia no trabalho e falta de exercício! Passava o “verdinho” ao fim do mês e ao fim de cinco anos ininterruptos achei por bem dizer basta a 600 € por um trabalho das 9 às 5 p.m.
[6]. Tirando retenção na fonte, IVA e pagamento à segurança social, levava para casa qualquer coisa como … ops, é como dizia o outro, é fazer as contas!
P.S.: Profissão? Enfermeira, não é?
V.N.: Sim, sim! Mas em Portugal não faltava emprego, na altura, na minha profissão! Hoje, então o que me divirto com o apelo à formação, à qualificação como fórmula resolvente, às novas oportunidades e à fatal inscrição no IEFP como desempregados do… regime! Com entrada com 18.5 valores, a uma décima de Medicina, minha primeira escolha. Mas, foi justo, ah, ah, porque possivelmente daria uma triste e incompetente médica! Insatisfação? Apenas da trilogia: formação, trabalho, retribuição! Foi, assim, como um push(ão)
[7]! E dá para poupar! Sabe qual o nosso melhor produto de exportação? Sabe quanto entrou nos cofres do Estado Português, esse padrasto rico com filhos pobres, das remessas dos emigrantes Suíços este ano?
P.S.: Entendo. Também tive o “prazer” de estar “empregado” e contactar com a realidade na colocação e formação do IEFP! A sua insatisfação laboral lançou-a, então, nesta “aventura?”
V.N.: Sim, sim! Mas acrescente à insatisfação remunerativa e à falta de condições de trabalho, a minha indignação pelos lucros obscenos e astronómicos da banca, da Edp e de outros sectores monopolistas do Estado, os altos impostos relativamente aos serviços prestados, a proliferação de taxas, os reguladores que impendem e impedem, as ASAE’S que exageram transpondo com tresloucado “senso” as directivas comunitárias, os Ferraris dos presidentes de Câmara e ex-ministros, as esperas nos atendimentos dos hospitais…
P.S.: Desculpe interrompê-la! Já compreendi! Deixe-me utilizar os conhecimentos há pouco adquiridos. Uma espécie de anomia “Mertoniana”, causada pelos valores normativos vigentes?
V.N.: ?
P.S.: Asneira minha! Vou-lhe pedir que continue à vontade e a se divertir mas … se possível, com um pouquinho menos de informalidade! Afinal não podemos nunca, qualquer que seja o trabalho, descartar o humor. Mas, temos de acelerar um pouco a entrevista! Assim, concluo que o ambiente económico e institucional a desilude. Resumindo: os aparentemente inevitáveis e sempre presentes custos do contexto! Mas indo ao que interessa: porquê emigrar, em concreto, para a Suíça?
V.N.: Tinha lá familiares! Uma tia que trabalhava como “au pair”! E um colega que passeava à l´heure! os caniches, ou lá o que eram, das Madames! E que me incentivou … e colegas, enfermeiros! Cada vez em número maior! Pela qualidade de vida, pelo ordenado, pela organização, pela liberdade, pela honestidade, pela beleza da paisagem, pela centralidade. Sabia que há na Suíça zonas onde existem placas viárias de atenção ao atravessamento de sapos? O ambiente é para cumprir…! E os autoclismos a partir das dez da noite não descarregam!
P.S.: ???
V.N.: Cidadania, civismo e respeito pelo próximo!
P.S.: Muitos emigrantes Portugueses em Gèneve?
V.N.: Sim. Principalmente na restauração. Mas também muitas empregadas de hotel, particulares e os inevitáveis pedreiros. Alguns motoristas de transporte público e alguns de táxi, alguns de famílias conhecidas como o primo… Morais! E alguns, muito poucos, a trabalhar na banca. Menos, muito menos, que muitos conterrâneos turistas – clientes que passam aqui pela banca!
P.S.: Dificuldades à chegada?
V.N.: Nenhumas! Vim com contrato já apalavrado de enfermagem para um lar de idosos. Educação por parte dos Suíços, bastante. Simpatia, pouca, q.b. Eficácia e ordem, total! E, o mais importante, o ordenado certinho, condizente e digno!
P.S.: Trabalhou, então, desde o início na sua área?
V.N.: Sim, sim! Ao contrário de outros. Que no início tiveram de andar a passear caniches e a ir e vir a Portugal com frequência! Valeu-lhes o regresso de alguns Italianos e Espanhóis!
P.S.: Relação com os Suíços?
V.N.: Com alguns colegas, poucos! Gèneve é muito estrangeiro e pouco Suíço. Ah, mas há uma excepção, o Patrick, meu namorado. É guarda de fronteira!
P.S.: Compreendo! O regresso é uma opção? Está no horizonte?
V.N.: Que regresso? Sabe quantos Portugueses é que estão espalhados pelo mundo? Eu que até sou solteira e boa rapariga! E olhe que os Suíços são muito certinhos … como os relógios! E, desculpe-me, mas temos de ficar por aqui! Tenho de entrar às 15h, nem mais nem menos um minuto. É que agora já tenho o permis e não posso fazer como fez, seu maroto muito Português, ao ter chegado atrasado 20 minutos! Questão de espaço… compreende? Au revoir, monsieur P.S.!
P.S.: Au revoir…
V.N.: Ah, desculpe! E vai sair em que jornal?
P.S.: Jornal! Não, não! É um “trabalho” para uma instituição Universitária à distância. A Uab, conhece?
V.N.: A dos programas da tele – escola… a que vai agora qualificar 100.000 Portugueses?
P.S.: ????
[1] Afinal os Portugueses mesmo que sonhadores, de um modo utilitarista e pragmático quase sempre direccionaram a sua preferência migratória, guiando-se por boas tabelas cambiais e por uma noção exacta de custos – benefícios. Já aqui se encontravam as boas práticas.
[2] Falar-se às vezes em Portugal em desenvolvimento humano parece uma gargalhada, porque quando a conjuntura recua, fica em aberto o “vai e vem” da triste constatação de uma débil e “mascarada” estrutura, agrilhoada a uma tremenda e recorrente falta de oportunidades iguais e reais.
[3] O recente brutal terramoto no Haiti, que nos reconduz à pequenez humana e à relatividade das coisas, faz-me a traços visualizar, como pode ser comum no tempo/espaço a astenia dos povos.
[4] O mesmo Lac Leman onde há uns largos anos, fruto de uma estada em formação por uns meses, alimentava os patos e gansos, confundindo-me com um emigrante Português em terra de Cheese Raclet de Pommes de terre.
[5] Não, as iniciais não dizem respeito a qualquer identificação política por militância. Afinal fora do quadrilátero, por motivos que se prendem com concorrência saudável e eficácia no trabalho, o instituto “cunha”, ou outro qualquer tipo de relação “paternal”, não se sobrepõe às formas mais comezinhas da opção pela experiência e competência profissional!
[6] p.m. Num país onde a responsabilidade é invariavelmente de uma única pessoa este p.m. compreendo-o como prime … perdão, post meridian!
[7] “Empurrão - repulsão!”