«Queridos amigos alemães
A Europa fez-se para esconjurar a guerra, integrando
a Alemanha num projecto solidário de
progresso e democracia. Sentindo-a hoje à beira
do precipício, falemos claro: se o euro ruir, a
UE desfaz-se. Morre-vos a galinha dos ovos de
ouro – sem mercado único e euro, a Alemanha perde infl
uência, mercados e boa vizinhança. A responsabilidade
será sobretudo vossa. Por não assumirem as obrigações
como mais forte e rica potência europeia.
Políticos e media populistas venderam-vos que portugueses,
gregos, italianos e espanhóis são PIIGS chafurdantes
em ócio e desperdício. Não contam que quem encorajou os
nossos governos, bancos, empresas e cidadãos a endividarse
foram os vossos banqueiros, empresários e caixeiros
viajantes, instigando-nos a tirar partido do baixo juro do
euro para lhes comprar submarinos, carros, equipamentos,
tecnologias. Em muitos contratos formatados para
esbulhar os nossos Estados à conta de subornos, contrapartidas
fi ctícias e depósitos em paraísos fi scais (para os
nossos e os vossos corruptos). Não faltam investigações
ao Deutsche Bank, Siemens, Man/Ferrostaal, Daimler, Infi
neon, Volkswagen, Ratiopharm, Linde, etc., nos nossos
países e EUA, Argentina, África do Sul, Índia...
O vosso empresariado descobriu a China para vender
o que produzíamos nas vossas fábricas. Para lá tratou de
deslocalizá-las, substituindo-nos (e a vocês) por explorável
mão-de-obra local. A falta de competitividade das nossas
economias não é só culpa nossa: a UE desindustrializou-se
nas últimas décadas, pagou a agricultores para não produzirem
e a pescadores para não pescarem. E agora, que
não temos fábricas, agricultura ou barcos, vêm empresas
alemãs buscar-nos jovens qualifi cados mas sem trabalho.
Dão jeito também para conter os vossos salários.
O euro pode ruir amanhã: por mais cimeiras que façam,
esses aprendizes de feiticeiro não controlam o feitiço que
puseram à solta nos mercados fi nanceiros. Os vossos bancos,
com o choque do Lehman Brothers, terão aprendido
a livrar-se do subprime tóxico incautamente acumulado.
Mas não despacharam obrigações emitidas pelos nossos
Estados e desvalorizadas quando a Sra. Merkel negou
que dívidas soberanas pudessem ser resgatadas. Depois
tiveram mesmo de ser. E os especuladores fi caram a perceber
que valia a pena especular, muitos apostados em
arrasar o euro. Ao exigir haircuts aos privados no resgate
da Grécia, a Sra. Merkel deu-lhes gás: dispararam juros e
o contágio na zona euro.
A especulação já dobra Espanha e Itália e ameaça França.
É urgente que a Alemanha deixe o BCE assumir-se
como fi nanciador de último recurso na zona euro. Na
verdade, o BCE já acorre a afl ições, mas compra dívida a
investidores, em vez de directamente aos Estados. Quanto
ao reforço do FEEF, já se viu que não vamos longe, com
o patético apelo aos chineses...
Os portugueses estão a penar para equilibrar contas.
Perigosamente, sem equidade social e em dose cavalar
de austeridade recessiva, ditada pela nossa direita, mais
“troikista” que a troika. Mas só com austeridade ninguém
paga dívidas! Precisamos de estratégia e recursos
para relançar crescimento e emprego. E de políticas de
coesão e convergência para contrariar crescentes desequilíbrios
macroeconómicos entre países do euro. Os
vossos superavites orçamentais, amigos alemães, são
contrapartida dos nossos défi ces.
Para não terem de nos sustentar, deixem mutualizarmos
a dívida, para voltarmos aos mercados a juros comportáveis;
respeitando regras, bem-entendido, mas benefi -
ciando da boa notação que vocês e poucos na zona euro
ainda mantêm. Chamem-lhes eurobonds, “obrigações de
estabilidade” ou o que queiram.
Queremos mais Europa, incluindo união fi scal, contra
a evasão, a fraude e o dumping fi scal que priva os nossos
Estados de cobrar impostos a empresas que se domiciliam
no Luxemburgo ou na Holanda sem declarar o que ganham
pelo mundo. Queremos o imposto sobre transacções fi -
nanceiras que propõe o ministro Schauble, para fúria do
Cameron e da City — além do que renderá para investirmos
na economia, trava a drenagem para off shores.
Os vossos governantes foram recuando no que tinham
por impensável, atascando a UE em reacções tardias e
insufi cientes. Mas agora ensaiam uma fuga para a frente:
querem uma alteração limitada e rápida do tratado, para
impor sanções automáticas aos incumpridores do Pacto
de Estabilidade e Crescimento (não abona a moralidade
de quem, como Alemanha e França, o violou em 2004/5).
Mas a mudança não é necessária: o Tratado de Lisboa
permite avançar na integração política e económica. Falta
é ser aplicado. E os nossos povos, exasperados com a
crise e a inacção europeia, não estão nada virados para
tratar do tratado. O Parlamento Europeu já avisou: não
embarcará sem processo democrático, ou seja, sem convenção
com PE e parlamentos nacionais. O que nunca
será rápido, nem limitado.
Queridos amigos alemães: não criámos a UE para a ver
agonizar agora, com mezinhas Merkozy. Digam aos vossos
governantes que queremos a Alemanha europeia, mas
nunca engoliremos uma Europa alemã.
Ana
Gomes
Eurodeputada
pelo PS»
Que haja alguém na Europa verdadeiramente Europeísta e corajoso nas opções e na defesa que toma da verdade e justiça. Obg. Ana Gomes!... e um bom Natal aos nossos queridos amigos Alemães, sem muitas favas que lhes possam quebrar caninos ou molares com que rasgam e digerem a Europa.