Trabalho assinado e elaborado em âmbito de Mestrado de Gestão/MBA, 2010, por Ivone Ferreira, Maria Meque, Mário Belchior,Marisa Santos, P.A.S.
1. INTRODUÇÃO
O objectivo deste trabalho é o estudo e análise do sector do gás natural, em Portugal, numa perspectiva de percepção, enquadramento e classificação/verificação das suas diferentes fases num destes quadros: o de ambiente concorrencial, o de monopólio, ou mesmo o do oligopólio. Debruçando-nos sobre as diferentes fases da cadeia de valor do sector do gás natural em Portugal, com breve recurso de compreensão e desenvolvimento do enquadramento histórico no circuito produtor – consumidor e na percepção da construção dos custos de transacção, abordaremos o mercado holisticamente, não sem fazer uma apreciação segmentada das três fases da cadeia: o aprovisionamento, a infra-estrutura, a comercialização. O aprovisionamento que não é mais que a importação do gás natural; a infra-estrutura que se consubstancia no transporte, na regaseificação, na armazenagem e distribuição; a comercialização que se efectua aos produtores de electricidade, aos clientes industriais, aos clientes residenciais e aos comerciais.
A metodologia seguida será a da confrontação dos dados sobre o mercado real, com os elementos base que caracterizam os ambientes de mercado, e a sua análise - confrontação numa óptica holística ou tripartida já que é assente, pelos estudos da histórica Galp Energia, a existência de três fases distintas no processo - fases essas aludidas supra. Os resultados esperados serão assim a confirmação, ou não, da existência de um verdadeiro mercado liberalizado, se bem que à partida a sua classificação goze do estatuto de afirmação da própria Galp Energia (Energia, 2010), da liberalização na importação/aprovisionamento, da regulação na infra-estrutura, da regulação e liberalização na comercialização e se essa liberalização corresponde, no efectivo, a que tipo de modelo de mercado.
2. DESENVOLVIMENTO
HIPÓTESES DOS MODELOS
Enquadramento do Mercado de Gás Natural Português na Europa e no Mundo
O objectivo da introdução do gás natural em Portugal, em 1997, está claro numa newsletter da Galp Energia e resume-se à disponibilização de uma energia para o país, competitiva, cómoda, ecológica, diversificadora dos recursos energéticos, redutora da dependência do petróleo, aumentadora da competitividade da indústria nacional. Diz a newsletter (Energia, 2010): “A Galp Energia liderou este projecto nacional, participando em todas as etapas do desenvolvimento deste sector em Portugal, quer na construção das infra-estruturas de alta a baixa pressão, quer na criação de raiz do mercado de gás natural em Portugal”.
O gás natural é uma fonte de energia do tipo fóssil, representando actualmente cerca de 25% do consumo energético mundial, tendo sido a fonte de energia com maior crescimento de consumo desde os anos 70. Actualmente posiciona-se como a segunda fonte de energia mais utilizada a nível mundial, a seguir ao petróleo, sendo considerada a energia primária do século XXI, como o petróleo o foi no século XX e o carvão no século XIX.
Figura 1 – Principais Mercados de Gás Natural
Organização industrial do mercado do gás natural
A indústria do gás natural caracteriza-se por ser uma indústria de escala, fortemente capital - intensiva e altamente concentrada, em que as suas características tecnológicas intrínsecas ao nível dos vários elos da fileira industrial fomentam a existência de monopólios naturais. Especialmente as actividades do transporte e distribuição, por envolverem grandes investimentos na construção de infra-estruturas relativamente complexas, com uma vida económica longa e de utilização específica, são claramente actividades de escala, criando também e, por isso, fortes barreiras à entrada de novas empresas no mercado.
Pelo facto da exploração e produção do gás natural estar muito ligada à actividade petrolífera, as grandes empresas que operam nestas actividades da fileira são, globalmente, as mesmas, enquanto as actividades de transporte e distribuição de gás se assemelham bastante mais ao sector da electricidade, sendo muito mais heterogéneo o figurino de actividade ao nível destas actividades de “downstream”.
Tradicionalmente, o mercado do gás natural apresentava uma estrutura bastante simples, com reduzida flexibilidade e opções disponíveis, em que as empresas produtoras exploravam e extraíam o gás dos depósitos subterrâneos, que era posteriormente vendido às empresas de transporte, detentoras dos “pipelines”, e finalmente distribuído por empresas locais aos consumidores. A indústria era geralmente verticalmente integrada, extremamente linear, com os serviços de fornecimento de gás e o seu transporte e distribuição fornecidos como um pacote ao cliente final, com características puras de monopólio natural dominado por empresas públicas.
Figura 2 – Fileira industrial do gás natural, em mercado protegido
Por outro lado, os preços eram também regulados ao longo dos vários elos da fileira até ao cliente final o que, associado à posição monopolista das empresas de transporte e distribuição conduziu a uma quase ausência de competição no mercado e, consequentemente, à ausência de incentivos à melhoria nos serviços prestados e à inovação.
A estratégia de proteger o consumidor (e o lucro dos restantes elementos da fileira) através da fixação de preços limite na produção, utilizada em alguns países, acabou por ter efeitos perversos uma vez que a inexistência de incentivos ao seu desenvolvimento pela ausência de lucro de negócio acabou por conduzir a um desencontro entre produção e consumo, com quebras de fornecimento importantes em determinados países, nomeadamente nos Estados Unidos e Reino Unido. Este foi o modelo utilizado na grande maioria dos países até ao início dos respectivos processos de liberalização do sector, iniciado precisamente nestes dois países no final dos anos setenta e início dos anos oitenta.
Desde essa altura, e com intensidade e forma variável de país para país ou região para região, a indústria do gás natural modificou-se de forma dramática, passando a estar muito mais aberta à concorrência e à liberdade de escolha e troca por parte do consumidor. Essa abertura teve como implicação principal no modelo organizacional de mercado a desintegração vertical das diversas actividades de valor e a alteração das regras em cada uma delas, passando os fluxos comerciais a serem muito mais dinâmicos e competitivos.
Assim, com a desregulação do sector, o acesso às redes de transporte e distribuição de gás passou a ser teoricamente aberto a todos os eventuais operadores do mercado, podendo o cliente final negociar o seu fornecimento com qualquer empresa de distribuição local, regional, ou mesmo directamente com o produtor.
Figura 3 – Fileira industrial do gás natural, em mercado liberalizado
Esta estrutura industrial pode ainda variar de acordo com o tipo de regulação existente em cada mercado. De facto, e apesar da reestruturação e desregulação efectuada em certas actividades da fileira, é fundamental supervisionar e regular o mercado de forma a garantir que os agentes que possam a vir a auferir de uma certa forma de monopólio não beneficiem abusivamente dessa sua posição e, com isso, criem distorções na eficiência e normal funcionamento do mercado.
A regulação directa incide, de uma forma geral, sobre as actividades de transporte e distribuição devido às suas características intrínsecas de monopólios naturais, de forma a garantir um acesso à rede transparente, sem descriminação de agentes de mercado, e inibição de qualquer tipo de abuso de posição dominante.
As redes de transporte e distribuição passam também a funcionar apenas como tal, sem qualquer tipo de propriedade sobre o gás, sendo remuneradas por essa actividade de forma regulada, remuneração essa que inclui os custos do serviço de transporte propriamente dito, a manutenção das redes e os investimentos da sua expansão.
No que diz respeito às actividades de produção e de agente comercial estas não são habitualmente reguladas mas funcionam, naturalmente, segundo determinadas regras e enquadramentos legislativos. Os preços praticados são função da própria dinâmica da oferta e da procura e, por isso, reflectem a competitividade do mercado, não existindo regulação e imposição à sua marcação.
O processo de liberalização do mercado do gás natural na União europeia
Os processos de liberalização do sector energético iniciaram-se, de uma forma geral, no início dos anos 90, com a excepção do Reino Unido, com especial incidência a partir da segunda metade da década, altura em que foram publicadas as primeiras Directivas Europeias associadas a esta área.
As primeiras etapas deste processo de liberalização, incidiram em medidas que visavam assegurar a transparência dos preços praticados no consumidor industrial final, criando assim condições para uma efectiva liberdade de escolha de fornecedor (sem prejuízo da confidencialidade na concepção dos preços). As empresas de gás ficaram, a partir de então, obrigadas a comunicar ao Centro Estatístico das Comunidades Europeias os preços praticados e, mais relevante ainda, os detalhes da sua composição, assim como as características dos seus consumidores finais industriais, nos termos considerados pela respectiva directiva e com garantia total da confidencialidade das informações.
Apesar destas medidas implementadas, a liberalização do mercado encontrou alguns entraves, nomeadamente associados com:
· Diferentes níveis de abertura dos mercados, que impediam o alcance das vantagens competitivas para os clientes;
· Estruturas tarifárias inadequadas e grandes disparidades entre países e regiões ao nível das tarifas de acesso à rede para operações de transporte e distribuição, criando obstáculos à concorrência e gerando receitas para subvenções cruzadas;
· Falta de interoperabilidade das redes de gás e de uma tarifação harmonizada para o transporte transfronteiriço de longa distância;
· Concentração da produção e importação de gás num reduzido número de empresas e desenvolvimento lento das bolsas de gás, o que implicava dificuldades acrescidas para os novos operadores em adquirirem gás no mercado grossista em condições razoáveis;
Por outro lado, questões como a preservação da integração vertical das actividades nas empresas monopolistas, preços proibitivos no acesso à rede e ao gás armazenado e separação insuficiente entre a comercialização do gás e as actividades de armazenagem, transporte e distribuição, foram também identificados em diversos relatórios como inibidores do processo de liberalização.
A liberalização dos mercados não é por si só uma garantia de que esses mercados sejam verdadeiramente competitivos, i.e. que existam reais possibilidades de escolha entre fornecedores; este aspecto depende das características do mercado em geral, incluindo a existência de competição do lado da oferta, a possibilidade de acesso não discriminatório ao sistema de transporte existente e às infra-estruturas de armazenagem de gás, a remoção dos obstáculos à livre circulação do gás e a possibilidade de interoperabilidade das rede, entre outros.
O mercado do gás natural em Portugal
O parágrafo anterior é suficiente para a percepção focada no nosso estudo que liberalização dos mercados nem sempre é sinónimo de verdadeira e efectiva concorrência nos mercados. A perspectiva e retrospectiva histórica da organização do mercado de gás natural em Portugal: “Até Fevereiro de 2006, o mercado português do gás natural estava dividido em duas grandes áreas: actividades de importação, armazenamento, transporte e regaseificação de gás natural, ou gás natural liquefeito, estavam sujeitas a uma única concessão atribuída a uma empresa do grupo Galp Energia, a Transgás. A distribuição local e regional era efectuada sob concessão ou licença atribuída a empresas de distribuição local ou regional, nas quais a Galp Energia – à excepção da Portgás – tem uma participação significativa. Os consumidores de gás natural com um consumo anual inferior a dois milhões m3 eram abastecidos pelas empresas de distribuição regional – as concessionárias – e local – as licenciadas – enquanto, que os consumidores cujo consumo anual era igual ou superior a dois milhões m3 eram abastecidos directamente pela Transgás. Para os grandes clientes, com consumos superiores a 50 mil m3, os preços não estavam regulados e eram fixados segundo uma lógica de mercado livre, concorrencial com outros produtos energéticos, e com base em contratos individuais. Para os clientes com consumos inferiores a 50 mil m3, a fórmula do preço e as actualizações referentes à taxa de inflação e ao preço do gás natural eram definidas nos contratos de concessão.” (Energia, 2010)
A transposição para a realidade actual também é entretanto feita: “A publicação do Decreto-Lei nº 30/2006, de 15 de Fevereiro, marcou a transposição pelo governo português da directiva comunitária sobre a liberalização do mercado de gás natural. Este diploma consagrou a liberalização dos mercados através do livre acesso de terceiros em condições de igualdade e determinou a separação das actividades comerciais das actividades de gestão de infra-estruturas. A directiva prevê também a existência de um regulador em cada estado-membro – no caso português a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) – e a obrigação de publicação das tarifas de acesso às diversas redes. Segundo a nova legislação, entretanto completada com o Decreto-Lei nº140/2006, de 26 de Julho, as distribuidoras de gás natural com mais de 100.000 clientes foram obrigadas a proceder à separação jurídica entre as actividades de distribuição e de comercialização de gás natural enquanto, que para as restantes foi apenas necessária uma separação contabilística entre as duas actividades. A nova legislação obrigou à criação de comercializadores de último recurso, que vendem gás natural a uma tarifa regulada, e de comercializadores livres cujo preço de venda do gás natural é fixado numa lógica de mercado livre. Para ambas as actividades é necessária a atribuição de uma licença por parte do Governo português. A nova legislação definiu também o calendário da liberalização do sector, que ocorreu até ao início de 2010.” (Energia, 2010). A análise da cadeia de valor do sector do gás natural é entretanto apresentada: “As importações de gás natural entram no mercado português através de Espanha, pelos gasodutos internacionais que ligam Tarifa a Córdoba (Gasoduto Al Andalus) e Córdoba a Campo Maior (Gasoduto Extremadura) ou ainda através do terminal de regaseificação de GNL de Sines. O gasoduto internacional que liga Portugal e Espanha transporta o gás natural contratado à Sonatrach, na Argélia, que entra em Espanha através do gasoduto Europa-Magrebe. Este gasoduto liga os campos de gás natural de Hrassi R’Mel na Argélia à rede de transporte de gás natural de Espanha. O terminal de regaseificação de GNL de Sines recebe navios “metaneiros” adquiridos principalmente à NLNG na Nigéria.”
O transporte e distribuição de gás natural: “As redes de distribuição em Portugal, que são reguladas, dividem-se em três categorias: alta pressão, média pressão e baixa pressão. As tarifas para a utilização das redes são fixadas pelo regulador.
A transposição da realidade também é entretanto feita: “A publicação do Decreto-Lei nº 30/2006, de 15 de Fevereiro, marcou a transposição pelo governo português da directiva comunitária sobre a liberalização do mercado de gás natural. Este diploma consagrou a liberalização dos mercados através do livre acesso de terceiros em condições de igualdade e determinou a separação das actividades comerciais das actividades de gestão de infra-estruturas. A rede de alta pressão é detida pela empresa Redes Energéticas Nacionais. Esta rede é, tipicamente, utilizada para o transporte de maiores quantidades de gás natural a distâncias maiores. A rede de média pressão estabelece a ligação entre as redes de alta e de baixa pressão. É a "espinha dorsal" que conduz à rede de baixa pressão. A rede de baixa pressão é detida pelas distribuidoras e liga cada cliente específico à rede de média pressão. Em Portugal, a distribuição de gás natural é assegurada por seis distribuidoras de gás natural - cinco das quais participadas pela Galp Energia - que exercem a sua actividade ao abrigo de contratos de concessão e por quatro unidades autónomas de distribuição de gás (UADs), também participadas pela Galp Energia, que operam ao abrigo de licenças.” Por fim a caracterização dos segmentos de venda: clientes intermédios e finais: “As vendas de gás natural em Portugal estão divididas em três grandes sectores: o sector eléctrico, que inclui as centrais eléctricas da tapada do Outeiro e a TER (Termoeléctrica do Ribatejo), o sector industrial, no qual se inserem várias indústrias como a cerâmica, os têxteis, a indústria alimentar e do vidro, e as comercializadoras de gás natural que abastecem, por sua vez, os clientes com consumos mais reduzidos, como é o caso dos clientes residenciais e do pequeno comércio. |
|
“Tudo começou em Julho, quando a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) se insurgiu contra o aumento tarifário no gás natural proposto para o ano 2010-2011. A CIP liderou esta contestação desde o primeiro momento, com empenhamento directo do seu presidente, António Saraiva, que sabe perfeitamente o que representa o custo do gás na produção industrial, adianta Jaime Braga. Depois da ATP surgiu a reacção do sector cerâmico. Não podemos aceitar um aumento desta dimensão, que nem está devidamente justificado, refere Marcelo Sousa, vice-presidente da Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica (APICER). Cerâmica não entende desvios tarifários! A ERSE diz que na origem do aumento está um desvio tarifário, mas até ao momento não conhecemos nenhum documento que o demonstre financeiramente, considera Marcelo Sousa. Dando como exemplo as facturas pagas pela empresa que gere – a Matcerâmica, uma das maiores no segmento das louças -, o agravamento do custo do gás tem sido preocupante pois, entre 2008 e 2010, o preço médio do m3 de gás subiu 56%, o que é incomportável, refere. Como é que os empresários podem assumir compromissos com os clientes se, depois, sem aviso prévio, sofrem aumentos brutais na sua estrutura de custos? questiona.” Este excerto do jornal do Algarve é claro na assumpção da influência do preço no mercado do gás natural, mercado regulado e liberalizado na comercialização, regulado nas infra-estruturas e liberalizado na importação/aprovisionamento, sendo o preço imposto e regulado por uma entidade “reguladora”, a ERSE. Uma das críticas está clara nesta posição da AHP “Luís Veiga, da AHP, diz que dificilmente se entendem os critérios da ERSE e as parcelas que são incluídas no desvio tarifário, tal como ninguém sabe quem suporta os custos de funcionamento da própria ERSE” e releva também da experiência de alguns de nós como clientes intermédios neste mercado, da sensação de uma regulação pouco transparente, sendo inevitavelmente a repercussão de custos pouco transparentes completamente danosa às empresas. O presidente da ERSE, Vítor Santos, é citado neste excerto como tendo todos os documentos, nomeadamente os relativos a tarifas, publicados no sítio na Internet, total transparência. E adianta: “todas as decisões da ERSE são tomadas segundo as melhores práticas, com grande rigor e com base em contas auditadas”. Poder de mercado, decisão óptima da empresa com poder de mercado tendo em atenção o impacto da elasticidade da procura e o impacto dos custos fixos, admissão da hipótese de custos marginais constantes e respectiva quantidade óptima que resulta do modelo em monopólio, comparação com o modelo concorrencial e efeitos do poder de mercado em termos de bem - estar social
Havendo desde já uma descrição perfeita do nosso problema podemos perguntar: é o sector do gás em Portugal sujeito de poder de mercado?
Para Baden Fuller, poder de mercado é o “poder de uma empresa aumentar os preços acima do custo da oferta sem que os concorrentes actuais, ou novos concorrentes, lhe retirem clientela em devido tempo”. Mas a definição de poder de mercado não tem correspondência no campo do direito da concorrência. Neste último campo, releva essencialmente a capacidade, ou não, de liberdade de actuação face às pressões do mercado. E uma empresa será qualificada como tendo uma posição dominante (isto é, um poder de mercado de tal grau) que se torna jus concorrencialmente relevante quando tenha a “possibilidade de adoptar comportamentos independentes que lhe permitem agir sem ter, nomeadamente, em conta os concorrentes, os clientes ou os fornecedores; tal sucede quando, devido à sua quota de mercado, ou desta em combinação com a posse de conhecimentos técnicos, de matérias-primas ou de capitais, dispõe da possibilidade de determinar os preços ou de controlar a produção ou a distribuição para uma parte significativa dos produtos em causa; que esta possibilidade não deve necessariamente resultar de um domínio absoluto que permita eliminar completamente a vontade dos seus parceiros económicos, bastando que ela seja suficientemente forte no seu conjunto para, garantir uma independência global de comportamento, mesmo quando existam diferenças de intensidade na sua influência sobre diferentes mercados” - Decisão da Comissão Europeia no caso Continental Can. E nos termos do artigo 82º do Tratado das Comunidades Europeias, proíbe-se a exploração abusiva da posição dominante. Proíbe-se, então, uma manifestação do poder (de mercado) conferido pela posição dominante e que consiste na capacidade de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva, que tende a ser subsumida à capacidade de excluir concorrentes. Mas o abuso pode dar-se directamente sobre os consumidores e utilizadores ou indirectamente através do impedimento da concorrência efectiva, com as correspondentes perdas de bem-estar para aqueles agentes (WHISH 2003). Definição de poder de mercado não tem correspondência no campo do direito da concorrência. Neste último campo, releva essencialmente a capacidade, ou não, de liberdade de actuação face às pressões do mercado.
No estudo efectuado, a indústria do gás é um monopólio natural dominado por estados para a sua utilização. Contudo, a liberalização do mercado do gás natural está mudando consideravelmente em toda a parte do mundo, pois, nota-se o crescente aumento de companhias transportadoras, que vendem o gás para os produtores e distribuidores, ou mesmo para os clientes directamente. Com as mudanças constantes por causa da concorrência empresarial e a liberalização nos mercados de gás, a indústria é testemunha das novas aquisições, reestruturação e reagrupamento dos serviços e negócios.
Um dos aspectos fundamentais segundo (Mata, 2009) da concorrência é a não influência dos equilíbrios de mercado, a homogeneidade do produto e a influência decisional negligenciável da empresa no preço, ou quantidades totais, transaccionadas no mercado. Na empresa com poder de mercado a maior diferenciação do produto significa maior grau de discricionariedade das empresas sobre o preço. A localização e concentração de matérias primárias, como o gás, conferem também alguma margem sobre o preço embora o seu poder de mercado não seja ilimitado, dado que subidas de preço envolvem segundo Mata “o custo de aceitar alguma redução na quantidade vendida”. E isto para não falar de alguma substituibilidade de factor preço. O gás sendo um produto maioritariamente utilizado no aquecimento, ou mesmo na produção eléctrica, pode ser sempre substituído por combustível sólido ou energias limpas. Num mercado como o gás, não é também fácil perceber qual o valor da decisão óptima, dado que já vimos que no nosso mercado a formação de preço final depende de múltiplos operadores, todos eles interessados em maximizar o lucro. A formação do preço aparece, assim, como um acumulado de custos e margens que parecem competir exclusivamente com os produtos derivados. É indubitável, como diz Mata, que a decisão óptima da empresa encontra-se na quantidade para a qual o custo marginal igual a receita marginal (Mata, 2009, p. 207). Custos fixos domésticos não evitáveis neste sector (o terminal portuário de gás e os gasodutos) convivem, assim, com uma procura com alguma elasticidade. A chamada falácia do preço baseado no custo total (Mata, 2009, p. 214) é talvez um dos problemas mais graves que o sector do gás pode enfrentar em Portugal. Dado, como vimos, a relativa elasticidade da procura - gás no mercado doméstico, a subida do preço no mercado oligopolista mundial, pode tornar o gás e os investimentos com os gasodutos e terminais um produto prematuramente afundado pelo preço. Os efeitos sociais do poder de mercado são, também, visíveis e obscenos. Efeitos perversos directos económicos, como os que redundam em Portugal em sectores transaccionáveis parasitados e destruídos pelos sectores não transaccionáveis, efeitos indirectos como o desemprego e a desigualdade final – também factor de inibição de sustentabilidade e Take Off económico. O Trade Off entre o excedente do consumidor e o excedente do lucro da empresa de monopólio recebe a designação de “perda de bem-estar” (Mata, 2009, p. 220). A esta transferência de margem para uns e perda para outros juntam-se as ineficiências e a improdutividade dos sectores. Em Portugal a percepção é que até os reguladores promovem esta ineficiência na sua actividade de reguladores de preços.
3. Conclusão
Com base no processo anterior descrito, percebemos que do monopólio verticalmente integrado até 2006 passou-se através da transposição da Directiva 2003/55/CE para separação de actividades ao longo da cadeia de valor. Estabeleceu-se tarifas por actividades reguladas: uso terminal; armazenamento; uso global sistema; uso rede distribuição; tarifa de comercialização; Tarifa de acesso às redes; Tarifa de Venda a Clientes Finais… O relatório (Silva, Fernandes, Lima, Monteiro, & al, 2009, p. 49) é claro, entretanto, a afirmar:” A regulação do preço do gás… definido para o utilizador final distorce o funcionamento do mercado…”
A introdução ao mercado do gás em Portugal, permite-nos entender que não só o mercado está dependente do poder de mercado do cartel dos produtores mundiais como do volátil mercado cambial mundial, dos incumbentes encarregados das infra-estruturas de transporte, da própria regulação e da própria atribuição do estado de concessões e licenças. O mercado do gás, pela sua própria complexidade é, em termos de custos de transacção, também palco daquilo que se denomina de racionalidade limitada. A informação assimétrica foi por nós detectada na queixa relativa à inexistência de informação relativamente aos custos de funcionamento da própria ERSE, com consequências no conhecimento transparente da formação dos custos. A cadeia de custos começa na importação aparentemente liberalizada no destino, no custo de utilização das infra-estruturas reguladas (dependência dos operadores de infra-estruturas, gasoduto Euromagrebiano e terminal marítimo de GNL e da próprios custos impostos e incorporados pelo regulador). A importação de gás está assim sempre dependente de infra-estruturas de transporte e entrada, criando-se um poder monopolista intermédio nos operadores das redes de distribuição mesmo (ou apesar de?) regulados.
Bibliografia
Energia, G. (22 de 11 de 2010). O mercado em Portugal. Obtido em 22 de 11 de 2010, de Galp Energia: http://www.galpenergia.com/PT/agalpenergia/os-nossos-negocios/Gas-Power/Gas-Natural/Paginas/Mercado-em-Portugal.aspx
ERSE. (15 de 06 de 2010). Comunicado. Obtido em 22 de 11 de 2010, de ERSE: http://www.erse.pt/pt/imprensa/comunicados/2010/Comunicados/COMUNICADO%20TARIFAS%20GN%20%202010-2011.pdf
Mata, J. (2009). Economia da Empresa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Morais, F. F. (07 de 2005). O mercado do gás natural: diversificação em contexto de mercado liberalizado. Obtido em 22 de 11 de 2010, de ISEG: http://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/1047
REN. (s.d.). Sistema Nacional de Gás Natural. Obtido em 22 de 11 de 2010, de REN: http://www.ren.pt/vPT/Gas/SistemaNacionaldeGasNatural/Pages/gas-natural_sistema-nacional-gas-natural.aspx
Silva, M. M., Fernandes, L., Lima, B. P., Monteiro, A., & al. (07 de 2009). Redução da Independência Energética de Portugal: um plano de acção sustentável 2010-2015 Grupo Trabalho cds.pt. Obtido em 11 de 28 de 2010, de cds.pt: http://www.cds.pt/pdf/relatorios/Energia.pdf