«A caracterização do que se passou, parece-me correcta. Sobre as propostas é que tenho muitas dúvidas – afinal, caímos no «estado em que se está» porque «aqueles que sabiam» aplicaram as suas ideias à Europa. Será que as «suas» propostas são melhores que as deles?
Claro que, com isso, não quero discordar das suas propostas – que, aliás, me parecem interessantes. Só que das suas propostas sei hoje tanto das suas consequências-futuras como das deles sabia há 10, 5, 2, uns meses atrás! Ou seja, não sei nada – ainda que possa admitir que sejam as «melhores».
Parece-me que o problema de fundo é outro. O problema é a instrumentalização das sociedades por elites que se acham capazes (e sábias) de substituir a cabeça de cada um de nós, cidadãos, na gestão do seu dia a dia e, por esse efeito, da gestão do social. “De bem intencionados, está o inferno cheio» – e, longe de mim dizer que a culpa é dos bem-intencionados. Ou seja, em vez de «amarrarmos» o Futuro – que, evidentemente, é imprevisível – a uma qualquer estratégia pré-Determinística – evidentemente, estabelecida por um Estado -, está-se a pretender tornar previsível algo que não o é; conclusão: em algum ponto do Futuro, surge o estoiro – foi assim na Revolução Francesa, na URSS, na Alemanha nazi, em Portugal, etc., ainda que as suas elites fossem bem-intencionadas para com os seus concidadãos. Ainda por esse facto, se diz – e a experiência comprova-o – que as sociedades liberais são mais eficazes a lidar com o Futuro-imprevisível que as sociedades não-liberais, as que procuram antecipar o Futuro «construindo-o».
Talvez esteja aqui a pedra de toque do problema: acreditarmos menos nos cidadãos do que nos Estados. Por exemplo, eu acho muito bem que se invista em energia eólica e solar, acho é que o deve fazer com o seu dinheiro e, não, com o que é «espoliado» aos cidadãos para que o faça ou pela imposição pelo estado de um preço que torne o «seu» negócio rentável – e, apenas uso a expressão «espoliado» para dar ênfase a dois factos: primeiro, porque é o Estado (pela força) que o impõe o que quer, e, segundo, esse cidadão, porque espoliado, deixar ele-próprio de poder-tomar «iniciativas», iniciativas que «sabe-se lá» poderiam ser muito mais úteis e rentáveis à sociedade que as eólicas e solares. Bem…, e, com isso, também não quero dizer que esteja contra essas energias.
Ou seja, é evidente que a Crise portuguesa se enquadra num processo mais alargado; mas, afirmar que as opções do Estado português – que controla a quase totalidade da economia nacional através dos 50% do PIB que consome -, são culpa da Europa, parece-me demais. Afirmar, também, que as elites portuguesas foram mal-intencionadas no que fizeram, não acredito – ainda que aqui e ali possa ter havido «interesses». O problema – no âmbito do que acima disse – é que há demasiado Estado e, consequentemente, muito pouca e nenhuma cidadania.
Por exemplo, há tanto estado, e há-o tanto por «tradição», que em geral as pessoas não entendem como é que o Presidente dos EUA não consegue passar um «evidentemente bom» sistema de saúde, o mesmo que agora Portugal não consegue suportar. É que, nos EUA, o Presidente não manda tanto como o Primeiro Ministro português em Portugal, nos EUA o Presidente tem de «fundamentar» o que ele acha «bem e bom», e, como é natural, porque a maioria nem sempre concorda, ele não pode fazer. Com isso não digo que aí não se cometam erros; cometem-se, mas a probabilidade é menor e, como não envolve a Nação na sua totalidade, os erros do estado são menos globais e terríficos.
Mais uma vez saliento que nada me opõe às suas ideias, só que acho que o problema não está aí: nas ideias. O problema nem está num Estado mais ou menos de esquerda ou de direita (o estado fascista é um estado-social de direita, tão totalitário como o de esquerda). O problema estará – talvez! – em mais ou menos liberalismo, está em mais ou menos sociedade civil, estará na capacidade-de-participação e na capacidade-de-iniciativa dos cidadãos. Mais estado, menos cidadania; menos estado, mais cidadania.» Quelhas da Mota