sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Opulência sustentável?


Se os paradoxos do mundo actual se geraram na bulimia hipertrófica conducente ao excesso e ao caos[1], opulência coabitante com a amplificação da desigualdade e do subconsumo (A Felicidade Paradoxal, Lipovetsky, 2009), foi porque a interdependência de um mundo capital[2] pós Tayloriano e Fordiano da abundância, gerador de novos padrões de consumo, em busca dessas margens bulímicas de lucro e hiperconsumo, recompuseram novas definições de centro e periferia, com recurso, no palco mundo, a novas “demografias”, novas competições pelo mercado global e neo e geo - (in) sustentabilidades. A morte lenta do Estado – Providência e a deturpação de princípios como a universalidade, a unicidade, a uniformidade e a centralização, fazem adivinhar o peso da globalização num mundo, de relação/ralação de recursos escassos, que se confunde com neo-conservadorismo e liberalismo.  
Esta affluent society, não tão afluente se analisada pelo crivo do The Millenium Development Goals Report 2009, que não se confunde no A Felicidade Paradoxal(Lipovetsky, 2009) com uma civilização igual de (o) desejo consumado, onde consumo excessivo, ou hiperconsumo, se assume como uma espécie de guideline da felicidade suprema - valor recreativo face ao valor honorífico do pré hiperconsumo. Espaço mundo e consumo mundo convivem e interpenetram-se, assim e agora, num mesmo imenso lugar, acentuando pressões ambientais, desequilíbrios e instabilidade no modelo capital e no… social! Tendo, recentemente, ouvido falar mais em políticos de nova geração e menos em homo consumericus de 3ª geração, será que estes não procurarão na identidade individual do hiperconsumismo, uma nova forma de distinção e diferenciação social, “represtinando” a ideologia das necessidades dos sociólogos críticos das décadas de 60 e 70? Assim esta nova globalização, que assume pela pena de Boaventura Sousa Santos as “formas” do localismo globalizado e da globalização localizada[3], aparecendo em roda livre e desterritorializado, fruto de um modo de produção cada vez mais compositamente “capital”. 
Se a globalização económica é um processo histórico geometricamente acelerado, espécie de bolha que reúne e intersecciona elementos, fruto do comércio, do capital, das descobertas geográficas, da informação, da partilha de conhecimento, das novas proximidades, da interpenetração de culturas nacionais, dos despojos do Estado, da desregulação do poder das soberanias, da Universalização do poder e da Internacionalização como valor cultural, das revoluções tecnológicas e de tutti quanti faz do globo um nicho de mercado in time. Capital e recurso trabalho fazem parte da mesma equação, infelizmente com mobilidades diferentes. Os modos de produção são cada vez mais focados na satisfação dos consumos, sejam eles consumos do centro ou consumos da periferia, produto de novas divisões internacionais de trabalho, de expansão e busca de novos lucros adequados ao capital financeiro global, novas remunerações e margens - que pretendem ser mais do que ilusão monetária.

Não é fácil conjugar o binómio sustentabilidade ambiental com a económica de pleno emprego, a de sobreconsumo dos actuais usuários e o das expectativas dos ex-excludentes, recentemente chegados ao paraíso consumista. O Norte no Sul, ou o Sul com o seu próprio Norte em expansão reflectido no (Desafio económico, CIPQV, 1998) espraia-se, indistintamente, neo-tigres e Bric’s distendidos, ao contrário dos PIIGS - que se contraem! Identificar acções - medidas que favoreçam qualidade e sustentabilidade parece relevar apenas, numa época de grande domínio tecnológico, de imaginação criativa e de nova filosofia de vida.[4] Sendo a qualidade de vida, objectivo humano recheado de elementos subjectivos, passível de múltiplas combinações[5], sem o elemento desenvolvimento sustentável, condição necessária para o equilíbrio planetário, a fartura resultará em indigestão. Reduzir, assim, a humana pegada ecológica parece inevitável. Individualmente, membro de sociedade civil em transição para uma nova consciência e educação ecológica, já me atenho aos 3 R - reduzir, reciclar e reutilizar. Reduzi(r) o consumo de livros com o recurso à partilha das bibliotecas[6]; reutilizo - e utilizo - lápis e telemóveis até à condição zero da “sustentabilidade” operacional; reciclo[7] jornais e propaganda de papel, que passa pelo meu crivo da “publicidade aqui não, obrigado”, substituindo polietilenos, como receptáculo de “resíduos” animais, e lâmpadas incandescentes por de baixo consumo. Viandante, suspiro, pelo recente protótipo de avião solar, estando na 1ª linha dos putativos utilizadores das viaturas a “não carbono.” Colectiva e institucionalmente medidas de redução de emissões de gases, que produzem o efeito de estufa, ou outros poluentes, através da replicação das energias renováveis, do aumento da eficiência da energia, do menos carvão - e mais gás natural. Pouco mencionado, o combate às desigualdades, como assunção de uma coesão - igualização global pelo rendimento, pelo efeito de estancamento rápido do crescimento populacional e sequente estancar dos detritos de lixo mineral, que poluem as águas, afectam a biodiversidade e impactam sobre a atmosfera. Decisivo, também, o desenvolvimento tecnológico orientado para a eficiência, um pouco à medida da diminuição dos consumos da indústria automóvel: produzir o mesmo com menos recursos! Conhecendo razoavelmente países do Norte, tive a oportunidade de verificar como se preserva o ambiente no Canadá, Dinamarca, Suécia e Finlândia, onde a febre do betão do Sul dá lugar ao homem na natureza e não a uma natureza contrariada. Contrariar a natureza dá normalmente como resultado, os tristemente actuais exemplos do Funchal e do Rio de Janeiro. Traço comum colectivo, opção da sociedade civil, a não monumentalidade, visível no espírito do small is beautiful, utilização e adopção de materiais recicláveis naturais. O consumo humano tem, assim, de ser reposto nos trilhos de consumos de recursos não agressivos, auto regenerativos, numa espécie de mimetismo pré - civilizacional, regresso à natureza controlada, como o consumo cultural e outros bens de consumo incorpóreo, passíveis de aliviarem as “mágoas” do desejo de posse do consumidor de terceira fase de Lipovetsky. Taxar custos ambientais, óptica do poluidor – pagador global, criar uma consciência infantil ecológica como limite à sobrevivência humana do devir. Last but not the least, a Declaração do Milénio tenta converter o mundo a uma nova ordem. Um mundo onde as medidas se contem no balancear equitativo dos custos benefícios do passo global, na gestão prudencial do desenvolvimento sustentável, no financiamento ao mesmo, na aplicação de instrumentos convencionados sobre diversidade biológica, no combate à desertificação, na Agenda 21 e Protocolos como o de Quioto que servirão de instrumentos, quais novos checks and balances da consciência dos problemas globais do espaço mundo, enquadrado por uma nova Governance global.[8]

Bibliografia

Carmo, H. (2001). Problemas Sociais Contemporâneos. Lisboa: Uab.
CIPQV, C. I. (1998). O desafio económico. Cuidar o futuro. Um programa radical para viver melhor. Lisboa: Trinova.
Declaração do Milénio . (s.d.). Obtido de http://www.objectivo2015.org/pdf/millenniumdec.pdf
DECO. (s.d.). Manual Consumo Sustentável. Obtido de http://www.esec-s-mamede-infesta.rcts.pt/PDF/guia_de_consumo_sustentavel.pdf
Lipovetsky, G. (2009). A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. Edições 70, Lda.
Org.: Sousa Santos, B. (2001). Globalização Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento.
Silva, P. (10 de 04 de 2010). Primeiro voo rumo ao futuro. Obtido de http://pplware.sapo.pt/high-tech/primeiro-voo-rumo-ao-futuro/
Touraine, A. (2005). Um Novo Paradigma. Lisboa: Instituto Piaget.



[1] Do clima, água, camada do ozono, bio - diversidade, desertificação, desflorestação, resíduos – sólidos, industriais, urbanos – esgotamento dos recurso físicos… será que nos poderemos fiar no “nada se perde, tudo se transforma de Lavoisier?”
[2] Tecnologicamente “revolto”, capaz de ilimitada compressão do espaço - tempo, expandido quase ad infinitum financeiramente pelo crédito e, no entanto, limitado… pelos limites físicos e recursivos do globo, que qual burro de carga, “geme e dá coices!”
[3] Intersectada na nossa unidade lectiva de Globalização, Cidadania e Identidades!
[4] Como “enta”, lembro-me ainda da maior durabilidade dos bens. Parece, assim, possível um regresso ao passado, quantitativo a dar lugar ao qualitativo, nova ordem produtiva reconduzindo as empresas à sua responsabilidade ambiental e societária onde, obviamente, para evitar o impacto do desemprego será necessário repor a sociedade de lazer, perdida com este modelo de dumping e competição global do retrocesso dos valores e do paradoxo da produtividade por via do aumento dos tempos de trabalho? Nivelar por baixo à espera do retorno de equilíbrios num mundo de desequilíbrios e de capitalismo global não parece muito avisado e exigiria uma geração de novas políticas e… políticos! 
[5] Se para alguns, qualidade de vida é acesso contínuo a bons livros, a viagens q.b. e mais algumas mordomias low cost, para outros umas boas jantaradas, festas, um bom automóvel e melhores telenovelas preenchem de qualidade de vida os seus dias!
[6] De que a BLX, nós sempre prontos à crítica intestina, é um excelente exemplo nacional e municipal!
[7] Por interpostas pessoas – pelas empresas que já fazem o aproveitamento das minhas impressoras, televisões, monitores…
[8] Se a União Europeia já se afadiga na busca de um governo económico porque não um governo económico mundial?

Os direitos Culturais e Cidadania na Era da Globalização



No princípio era o verbo, no fim a globalização, e a globalização o nomadismo do homem do mundo moderno. Glosar a Bíblia pode parecer menos próprio, mas ao homem consciente importa não ser ethnically blind, sendo-nos franqueado visualizarmos e apercebermo-nos da multinacionalidade e do multiculturalismo que nos tomou o espaço. Mia Couto, escritor cuja cidadania confunde-se e rima com Lusofonia, pôs na boca do marido de Carlota Gentina, prima distante e plebeia da nossa Joaquina: “Eu somos tristes…quando conto a minha história, me misturo, mulato não de raças, mas de existências” (Vozes Anoitecidas, Mia Couto, 2006). E é nessa voz que me quero situar, consciente da interdependência e da assimetria de poder que desliza tantas vezes da comunicação intercultural.
Ser cidadão, “alma e lugar em mim”, é cada vez menos um constrangimento da nossa condição de nasciturnos num dado lugar, detentores de direitos de cidadania, esses direitos de primeira geração. Já Pessoa, em “desassossego”, se tinha “da lei da Pátria libertado” quando exclamou: a minha pátria é a língua Portuguesa. O seu céu, limitado, já extravasava “por todos os lados” por via de um intenso “caminheiro” criativo.
Fazendo uma rápida incursão em forward, os direitos culturais são, assim, na cidadania universal, uma espécie de filhos da globalização e do homem espalhado como verbo e afirmam-se como direitos de última geração, uma espécie de direito a afirmar os seus direitos. Para trás já ficam os direitos humanos e políticos, que podem estrangular o homem, e os sociais. Os direitos foram reconduzidos agora à própria consciência individual, descobrindo céus menos plúmbeos, como se fogs Londrinos diluindo pelo planisfério. E Touraine já se atreve a afirmar: “ O direito a uma vida religiosa não é só o direito de um grupo a praticar a sua religião; é também … o direito de cada indivíduo a mudar de religião…(Os Direitos Culturais, Touraine, 2005). O céu à medida do global, trás, assim, um direito à individualidade, entre aquilo que Touraine dualiza como, o universalismo dos direitos e o particularismo dos interesses. Entre a hipótese multiculturalista e a homogeneidade cultural, há um mundo que passa pelo esmagamento do “Outro”, pela mestiçagem cultural, pelas relações interculturais. A explosão dos contraditórios não é, modesta óptica de estudante – especulador – sonhador, mais que o despontar da consciência individual no seio da multidão. Quanto mais conhecemos as nossas semelhanças, mais afirmarmos o particularismo como antónimo do colectivismo ou do comunitarismo. Touraine diz: “as reivindicações minoritárias expõem-nos a grandes perigos, o próprio princípio do viver juntos”. Mas também, bem, observa a conjugação entre “a unificação e individualização da pessoa humana face aos constrangimentos, o fim da sua luta e o que lhe dá força” e “O que cada um de nós reclama, e sobretudo os mais dominados e os mais desfavorecidos, é ser respeitado, não ser humilhado… ser escutado – e mesmo entendido.” Dificuldade reconhecida, neste processo digestivo de identidades. No pressuposto de uma guerra de culturas, do medo que vem de fora, da rejeição de uma cultura ou uma nacionalidade, de um comunitarismo reaccional. Mesmo que sejamos todos, mais ou menos mestiços! Com os direitos culturais há uma verdadeira opção omnívora do exercício e da assunção dos direitos. O campo temático apresenta-se vasto atendendo à multiplicidade da dimensão humana: o género, a raça, a etnia, a religião, as faixas etárias, as nacionalidades. Penetra também em modos de vida, em expressões artísticas, formas de comunicação, desporto, lazer, concepções de tempo e espaço, hábitos, comportamentos, valores… alcançada a cidadania reconhecem-se e realizam-se estes novos direitos. Os direitos deixaram de ser apenas “carne ou peixe”, soam concretos, alargam-se agora ao ser, ele próprio, à individualidade! Os direitos culturais, esses direitos que protegem por definição populações particulares, Touraine dixit, levam-nos finalmente a poder afirmar: somos finalmente “operários de nós próprios!” Os actores livres “flutuam” agora como os radicais livres, mas no interior da organização social, arrepanhando com ambas as mãos o direito à boa imagem e representatividade, em busca do reconhecimento, realização e do “graal” do “self-esteem.” A cidadania bate-se contra o comunitarismo. Estreita, quando rejeita o pluralismo cultural e distende, tornando-se aberta, quando compatibiliza a modernidade com a diversidade das histórias culturais.
Fazendo agulha para o PNUD[1], esse órgão da ONU “construtor” do IDH, mandatado para a promoção do desenvolvimento, e olhando para o relatório de 2004, titulado “a liberdade cultural num mundo diversificado”, apercebemo-nos de como estes direitos, de última geração, integrantes dos direitos humanos, direitos sexuais, dos deficientes, de género, … ainda são frágeis, e em construção, apesar de declarações - como a da Unesco - sobre a diversidade cultural. O direito à expressão do idioma materno, à educação de qualidade – de acordo com a identidade cultural – às práticas culturais, ao desfrute do progresso científico, à protecção dos interesses materiais de toda a produção científica, literária ou artística[2], ainda se quedam demasiadas vezes entre o liberalismo desigual e alguns comunitarismos obcecados pela identidade e homogeneidade, sem querer saber que comunitarismo e universalismo abstracto se completam e opõem. A modernidade mundo, a compatibilidade da modernidade com elementos sociais e culturais diferentes, e a pluralidade dos modos de modernização versus a expressão do multiculturalismo ainda aparecem apeados em muitas zonas mundo. Os direitos culturais ainda se jogam a várias velocidades, em “cidades” patriarcais, étnicas e “fundamentais”. O regresso ao divino, apontado por Adriano Moreira, desligado de combinações diversas, pode indicar degradação dos movimentos sociais e obsessão pela identidade.
Estendendo o rol, em crescendo, o Universalismo tem vindo a alargar o seu domínio a temáticas como os pactos entre as nações versus a pobreza humana, a liberdade cultural num mundo diversificado, a temática da cooperação nos domínios da ajuda, comércio e segurança num mundo desigual, as questões do poder, da pobreza e a crise mundial da água, a solidariedade num mundo dividido e o combate global às alterações climáticas, a ultrapassagem das barreiras, a mobilidade, e o desenvolvimento humano. A cidadania na era da globalização, já nos transporta do lugar, à aldeia, ao burgo, à cidadania, ao mundo. Alarga-se assim a domínios ainda antes impensados. O homem torna-se uno, expressão cultural completa, mas a árvore comum lança à terra múltiplos ramos que os distingue na unidade. O viver localmente e globalmente dá-nos a noção de uma ética que não é geográfica, mas humana, uniformizando um ius cogens internacional que nos une na diversidade. A unidade na diversidade do projecto Europeu - fórmula de sucesso, mesmo sujeita aos actuais revezes e dores de crescimento - só cambaleia na ignorância, medo ou no engano da superioridade ou inferioridade das almas. O desenvolvimento de múltiplas identidades dos actores faz cada vez mais de nós, homónimos em cada lugar. Os direitos culturais reflectem assim o burilar de uma cidadania global, que congrega e “homogeneíza”. Há um certo determinismo nos direitos culturais, como extensão das diferenças de identidade, e um caminho feito de revezes para uns e outros, mas a inevitabilidade da maré acoberta-se no facto do conhecimento dos outros. Quanto mais conhecemos os outros, mais nos conhecemos a nós próprios. Se para alguma coisa Sócrates serviu é - ou foi - o aforismo do “conhece-te a ti mesmo”, passível de ser estendido ao conheçamo-nos a todos, que inunda a cidadania na era global. Como diz, não um “vulgar” Sócrates, mas um conhecido jornalista Português, “há nas pessoas uma dimensão colectiva” (Cabral, 02-12-2006).
Frase intensa, muito Lapalaciana, mas perene, de Maria da Glória Gohn, no seu (Cidadania e Direitos Culturais, Gohn, 2005, p.18): “O consenso vai sendo obtido a partir do dissenso”. O jogo das diferenças, o tensionamento contínuo, vai de mão dada com as “cidadanias”, que são cada vez mais completas e “sujeitas de capacidade cultural de exercício”, neste nosso mundo global.
Na cidade global, os contrários medem-se pela normalização dos conteúdos e pelas especificidades dos actores. Na cidade global os Direitos desfiam-se e alargam-se à multitude dos actores. A cidade global será definitivamente, esperamos, o “coio” dos Direitos para todos.
 

Bibliografia

ANDRÉ, J. M. (2006). Obtido de Identidades. multiculturalismo e globalização: http://www.apfilosofia.org/documentos/pdf/JMAndreIdentidade%28s%29_Multiculturalismo.pdf
CABRAL, F. S. (02-12-2006). Tradição cultural e liberdade pessoal. Diário de Notícias .
CASTELLS, M. (2003). Capítulo 1: Paraísos comunais. In M. Castells, O Poder da Identidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
COUTO, M. (2006). Vozes Anoitecidas. Lisboa: Caminho.
Desenvolvimento, P.-P. N. (2004). Relatório do Desenvolvimento Humano. Obtido de http://hdr.undp.org/en/media/hdr04_po_complete.pdf
FORTUNATO, C., & SILVA, A. S. (2001). Cap. 11: A cidade do lado da cultura:espacialidades sociais e modalidades de intermediação cultural. In S. S. (org.), Globalização: fatalidade ou utopia? Afrontamento.
GOHN, M. D. (2005). Cidadania e Direitos Culturais. Obtido de http://www.google.pt/webhp?client=firefox-a&rls=org.mozilla:pt-PT:official&channel=s&hl=pt-PT&btnG=Pesquisa+do+Google#hl=pt-PT&client=firefox-a&channel=s&rls=org.mozilla%3Apt-PT%3Aofficial&q=cidadania+e+direitos+culturais+gloria&meta=&aq=f&aqi=&aql=&oq=ci
MENDES, J. M. (2001). Capítulo 13. O desafio das Identidades . In B. Sousa Santos, Globalização.Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamemto.
TOURAINE, A. (2005). Capítulo 2: Os Direitos Culturais. In Um Novo Paradigma. Para compreender o mundo de hoje. Lisboa: Instituto Piaget.
UNESCO. (2002). Programa Universal sobre a Diversidade Cultural. Obtido de http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/temas/cul_tema.php?t=17
WIKIPÉDIA. (s.d.). PNUD-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Obtido de Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_para_o_Desenvolvimento


[1] Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento.
[2] “ …o direito ao usufruto da pirataria”. Genial, o ponto de vista de alguns - que de “gagos” não têm nada - só possível, no entanto, num mundo onde os direitos culturais sejam “virtualmente” dissociados dos materiais.

O TEMPO E O ESPAÇO


Diz Castells que o Estado absorveu o tempo e o espaço social. Diz-nos a experiência termos assistido à mais forte compressão espaço temporal da história social e humana, bem como a percepção de pertencermos a um novo e abrangente espaço – mundo, Estado em Rede formado por Estados Nações, instituições internacionais, ONG’s, governos locais e regionais. Múltiplos são os factores que têm ancorado a crise e o declínio do Estado – Nação a que não é nada alheia essa compressão do espaço e tempo. Estado destituído de poder ou desconstruído e reconstruído em rede, de sujeito soberano a actor estratégico nas palavras de Castells? Certeza só a de que os limites da vida se quedam, hoje, entre o poder das redes globais e o desafio das identidades singulares. Antes de enumerar, para além dos desafios, cidadania, actores e pós – nacionalidade, alguns dos factores compressores criadores dessa nova ordem apontada por Isabel Estrada, não me contenho, à cause de uma nova dimensão do espaço mundo, de citar Pessoa: «Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura...». A indiferença perante o Estado - Nação vive, assim, no vórtice deste mundo novo feito de intensos fluxos - globais - de capital, produtos, serviços, tecnologias de comunicação e informação em “teia” muito mais que a força visionária da imaginação de qualquer poeta. Construído por cima dos equívocos Estado e Nacionalidade e identidade e cidadania, parece assim uma construção cada vez mais datada, dado que as nossas lealdades transferem-se para o espaço em que nos movemos e onde lançamos “perfume.” Paradoxalmente, ou talvez não, a legitimação do Estado através da partilha do poder a outros níveis como o regional e o local, tem potenciado essa indiferença perante este Estado – Nação, “esmagado” entre o local e o global. A força do capital “em busca do maravilhoso” ganho marginal; a transnacionalidade das economias nacionais com toda a panóplia de interdependência dos mercados financeiros e monetários, tudo agora em tempo real; a interdependência dos câmbios nessa coordenação sistémica dos meios de troca; a intensa mobilidade do capital e da criação de valor; a própria transnacionalização da produção sempre à procura da maximização do ganho e da sustentabilidade relacional; as redes de produção e comércio que falam cada vez mais uma ”língua franca”; o declínio da capacidade da base produtiva geradora de receita, arrastada na contradição entre internacionalização do investimento e a base nacional dos sistemas tributários. O grau de dependência dos países em relação aos mercados de capitais globais e dos empréstimos externos é, assim, fruto da condição do Estado paulatinamente cerceado do seu monopólio de poder. A relação entre crescimento e dependência da dívida externa e a crise fiscal internacional do Estado – Nação entroncam, também, naquilo que são os “fundamentais” de economias cada vez mais dependentes e relacionais.
Perdido o desafio no campo económico e perdido, também, o controlo da informação como pilar do poder do estado na ex-era da informação. Mudança operada na informação por via da tecnologia, posse dos media global, autonomia e diversidade; redes globais de comunicação, audiências locais, entidades reguladoras precárias, “bityzação” do espaço soberano versus espaço mundo. Testemunhos de uma nova expressão sem amarras que globaliza mas também particulariza novos actores, como exemplifica Castells com a Al Jazeera, o poder dos sem poder, segundo Adriano Moreira. Desnacionalização e desestatização da informação, globalização do crime “pela mãe de todos os crimes – a lavagem de dinheiro” (Castells, 2003, p. 379) ligada aos mercados financeiros globais, corrupção, financiamento ilegal partidário, comprometendo a autonomia e o poder de decisão do Estado - Nação. Privatização do humanitarismo e consenso de Washington dão a noção do contraditório, num espaço mundo onde se desdobra a globalização localizada e os localismos globalizados de Sousa Santos. A globalização dos frequentadores de Bilderberg e Davos, dos grandes conglomerados, das elites nacionais em cartel procurando replicar os seus interesses e privilégios numa nova recomposição global do poder[1], dão a noção dos desafios começarem a ser demasiados e demasiados pesados para o velhinho Estado soberano. “O poder mais junto das populações cidades e regiões do lobby… A actual dança de morte entre identidades, nações e estados deixa os Estado - Nações historicamente esvaziados, vogando nos altos mares dos fluxos globais do poder. O Estado Nação local luta para reconstruir a sua legitimidade e instrumentalidade(Castells, 2003).
A ameaça ao Estado – Providência é outra delas. Os diferenciais de custos do trabalho, sociais inclusos, e de regulamentação entre hemisfério Norte e Sul mas também entre países da OCDE, mais ou menos liberais na intensidade – produtividade. A globalização e a interdependência, castradoras de antigas formas de reposição de equilíbrios, sejam pressões internas ao proteccionismo via tarifas alfandegárias condenadas a represálias e limitadas pela nova O.M.C., seja através do desaparecimento das vantagens comparativas da tecnologia não circulada, hoje in time e em rede. Desequilíbrio e desafio colocado só passível de superação através de uma ligação necessariamente limitada ao crescimento da produtividade como forma de sustentabilidade do modelo providência, de um contrato social global ou de acordos internacionais de tarifação, modo de evitar a derrocada dos maiores Estados – Providência e da globalização da nova economia em rede ocasionar um baixo denominador comum. Assim o Estado – Nação perdeu poder para controlar a política monetária, definir orçamentos e evitar PEC´s, Planos de Estabilidade e “não” Crescimento, destrutivos da capacidade instalada e honrar compromissos sociais de um Estado Providência digno e humanizado; perdeu poder económico, mas mantêm-se como actor estratégico interdependente dentro da rede de processos económicos fora do seu controlo, jogando a sua própria sobrevivência e sustentabilidade. Novamente citando Pessoa: «Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.» E o céu, hoje, espelha nuvens carregadas de uma globalização caótica - como a força da massificante Internet criadora - mas simultaneamente destrutiva, operada por um m.d.c. de bem-estar.
Se o direito a ter direitos migrou da 1 para a 2ª geração, dos civis e políticos a sociais, ela definia-se na assunção das personalidades num determinado território geográfico. O Estado Nacional era o lar da cidadania. A virtude cívica da sociedade civil, esfera privada ou não estatal de influência, consoante as construções teóricas, grupos excludentes ao Estado da cidadania, criadora de estruturas institucionais que favorecem a cidadania. Da cidadania liberal, acessória e atomista fixada nos direitos, à cidadania comunitarista de valor de pertença solidária e coesa de reciprocidade de direitos e obrigações, à terceira via comunitarista da democracia social provida de direitos individuais. A cidadania moderna, fruto da erupção revolucionária Francesa, está relacionada directamente com a formação da consciência nacional, pertença a uma comunidade e herança comum. Os actores ainda vêem o mundo por lentes redutoras, sendo que o seu mundo ainda se mede aos palmos. Soberania democrática da nação e direitos cívicos de cidadania casa com homogeneização da população. O jus soli e o sanguinis iriam aos poucos ser desgastados pelo multiculturalismo das migrações. A cidadania diferenciada e os direitos culturais de cidadania desacoplaram os direitos de cidadania e a identidade. Da polis ao Império, à cidade, ao Estado – Nação, ao agora nosso espaço global ou transnacional, a transição está processada. A identidade do homem forja-se cada vez mais na assunção das igualdades postas a nú, diferenciadas, e não à territorialidade. O Estado Nação deixa de ser o lar da cidadania. O cidadão da democracia contemporânea é cada vez mais um contribuinte, um usuário, uma espécie de servidor civil global. Textualmente citada, Estrada (Isabel), divisou aqui um concordante “caminho”.  
O esvaziamento da soberania nacional e a nova concepção de cidadania pós-nacional relevam da multiplicidade de filiações e identidades decorrentes do deslocamento das populações. A fidelidade à cultura e nacionalidade de origem com participação na sociedade de instalação rompe o elo entre nacionalidade como comunidade cultural. A nova cultura já é cívico - nacional e não ético – nacional.
Os novos actores transnacionais são não só institucionais, mas cidadãos globais de cinco tipos. O reformador global, humanista, que pugna por um governo mundial ou pelo fortalecimento das Nações Unidas, desterritorializado e associado à condição humana. O homem de negócios transnacional, elitista, com uma cultura global homogénea não nacional. Os funcionários internacionais, administradores da ordem global, pugnando por novas formas de cooperação sustentável como o cidadão Europeu que pugna pela construção de blocos regionais e de uma consciência política supranacional. Por fim o cidadão militante transnacional, cuja arena é o plano/palco internacional, provido de consciência ambiental, de direitos humanos, de defesa da diversidade cultural e da democracia global. Sociedade civil global de um novo espaço público transnacional. Sustentabilidade, solidariedade, diversidade, democracia e direitos humanos, estes novos actores ultrapassaram a esfera das soberanias movendo-se numa lógica de pertença de só há um mundo… a preservar e passar incólume aos seus filhos! Isabel Estrada respira optimismo por uma putativa parceria de uma ilimitada sociedade civil não dependente do critério de pertença nacional, na construção de uma boa nova ordem política e social, mais democrática, mais solidária e inclusiva. Porém, a Burocracia Estatal ou global de facto, poderá estar à janela! Mas por agora, a edificação da nova ordem parece mais solidária, democrática, inclusiva e diria, abrangente, não excluindo o Estado e parecendo eliminar o equívoco do Estado e nação, e o de identidade e cidadania. Nesse sentido o futuro ganhando novas pluralidades, pressupõe e confirma a nova ordem da nossa analisada autora!

Bibliografia

autor. (s.d.). Fernando Pessoa - Biografia, Poemas e Fotografias. Obtido de http://www.astormentas.com/pessoa.htm
Castells, M. (2003). Capítulo 5. Um Estado Destituído de Poder. In M. Castells, O Poder da Identidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Sousa Santos, B. (. (2001). Capítulo I. Os Processos de Globalização. In B. Sousa Santos, Globalização.Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamemto.
Touraine, A. (2005). Um Novo Paradigma. Para compreender o mundo de hoje. In Capítulo 2. A Mundialização. Lisboa: Instituto Piaget.
Vieira, L. (2001). Os Argonautas da Cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro. São Paulo.


[1] E como dói ver uma União Europeia a replicar, no seu interior, as relações de poder dos Estados Nacionais!