sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Opulência sustentável?


Se os paradoxos do mundo actual se geraram na bulimia hipertrófica conducente ao excesso e ao caos[1], opulência coabitante com a amplificação da desigualdade e do subconsumo (A Felicidade Paradoxal, Lipovetsky, 2009), foi porque a interdependência de um mundo capital[2] pós Tayloriano e Fordiano da abundância, gerador de novos padrões de consumo, em busca dessas margens bulímicas de lucro e hiperconsumo, recompuseram novas definições de centro e periferia, com recurso, no palco mundo, a novas “demografias”, novas competições pelo mercado global e neo e geo - (in) sustentabilidades. A morte lenta do Estado – Providência e a deturpação de princípios como a universalidade, a unicidade, a uniformidade e a centralização, fazem adivinhar o peso da globalização num mundo, de relação/ralação de recursos escassos, que se confunde com neo-conservadorismo e liberalismo.  
Esta affluent society, não tão afluente se analisada pelo crivo do The Millenium Development Goals Report 2009, que não se confunde no A Felicidade Paradoxal(Lipovetsky, 2009) com uma civilização igual de (o) desejo consumado, onde consumo excessivo, ou hiperconsumo, se assume como uma espécie de guideline da felicidade suprema - valor recreativo face ao valor honorífico do pré hiperconsumo. Espaço mundo e consumo mundo convivem e interpenetram-se, assim e agora, num mesmo imenso lugar, acentuando pressões ambientais, desequilíbrios e instabilidade no modelo capital e no… social! Tendo, recentemente, ouvido falar mais em políticos de nova geração e menos em homo consumericus de 3ª geração, será que estes não procurarão na identidade individual do hiperconsumismo, uma nova forma de distinção e diferenciação social, “represtinando” a ideologia das necessidades dos sociólogos críticos das décadas de 60 e 70? Assim esta nova globalização, que assume pela pena de Boaventura Sousa Santos as “formas” do localismo globalizado e da globalização localizada[3], aparecendo em roda livre e desterritorializado, fruto de um modo de produção cada vez mais compositamente “capital”. 
Se a globalização económica é um processo histórico geometricamente acelerado, espécie de bolha que reúne e intersecciona elementos, fruto do comércio, do capital, das descobertas geográficas, da informação, da partilha de conhecimento, das novas proximidades, da interpenetração de culturas nacionais, dos despojos do Estado, da desregulação do poder das soberanias, da Universalização do poder e da Internacionalização como valor cultural, das revoluções tecnológicas e de tutti quanti faz do globo um nicho de mercado in time. Capital e recurso trabalho fazem parte da mesma equação, infelizmente com mobilidades diferentes. Os modos de produção são cada vez mais focados na satisfação dos consumos, sejam eles consumos do centro ou consumos da periferia, produto de novas divisões internacionais de trabalho, de expansão e busca de novos lucros adequados ao capital financeiro global, novas remunerações e margens - que pretendem ser mais do que ilusão monetária.

Não é fácil conjugar o binómio sustentabilidade ambiental com a económica de pleno emprego, a de sobreconsumo dos actuais usuários e o das expectativas dos ex-excludentes, recentemente chegados ao paraíso consumista. O Norte no Sul, ou o Sul com o seu próprio Norte em expansão reflectido no (Desafio económico, CIPQV, 1998) espraia-se, indistintamente, neo-tigres e Bric’s distendidos, ao contrário dos PIIGS - que se contraem! Identificar acções - medidas que favoreçam qualidade e sustentabilidade parece relevar apenas, numa época de grande domínio tecnológico, de imaginação criativa e de nova filosofia de vida.[4] Sendo a qualidade de vida, objectivo humano recheado de elementos subjectivos, passível de múltiplas combinações[5], sem o elemento desenvolvimento sustentável, condição necessária para o equilíbrio planetário, a fartura resultará em indigestão. Reduzir, assim, a humana pegada ecológica parece inevitável. Individualmente, membro de sociedade civil em transição para uma nova consciência e educação ecológica, já me atenho aos 3 R - reduzir, reciclar e reutilizar. Reduzi(r) o consumo de livros com o recurso à partilha das bibliotecas[6]; reutilizo - e utilizo - lápis e telemóveis até à condição zero da “sustentabilidade” operacional; reciclo[7] jornais e propaganda de papel, que passa pelo meu crivo da “publicidade aqui não, obrigado”, substituindo polietilenos, como receptáculo de “resíduos” animais, e lâmpadas incandescentes por de baixo consumo. Viandante, suspiro, pelo recente protótipo de avião solar, estando na 1ª linha dos putativos utilizadores das viaturas a “não carbono.” Colectiva e institucionalmente medidas de redução de emissões de gases, que produzem o efeito de estufa, ou outros poluentes, através da replicação das energias renováveis, do aumento da eficiência da energia, do menos carvão - e mais gás natural. Pouco mencionado, o combate às desigualdades, como assunção de uma coesão - igualização global pelo rendimento, pelo efeito de estancamento rápido do crescimento populacional e sequente estancar dos detritos de lixo mineral, que poluem as águas, afectam a biodiversidade e impactam sobre a atmosfera. Decisivo, também, o desenvolvimento tecnológico orientado para a eficiência, um pouco à medida da diminuição dos consumos da indústria automóvel: produzir o mesmo com menos recursos! Conhecendo razoavelmente países do Norte, tive a oportunidade de verificar como se preserva o ambiente no Canadá, Dinamarca, Suécia e Finlândia, onde a febre do betão do Sul dá lugar ao homem na natureza e não a uma natureza contrariada. Contrariar a natureza dá normalmente como resultado, os tristemente actuais exemplos do Funchal e do Rio de Janeiro. Traço comum colectivo, opção da sociedade civil, a não monumentalidade, visível no espírito do small is beautiful, utilização e adopção de materiais recicláveis naturais. O consumo humano tem, assim, de ser reposto nos trilhos de consumos de recursos não agressivos, auto regenerativos, numa espécie de mimetismo pré - civilizacional, regresso à natureza controlada, como o consumo cultural e outros bens de consumo incorpóreo, passíveis de aliviarem as “mágoas” do desejo de posse do consumidor de terceira fase de Lipovetsky. Taxar custos ambientais, óptica do poluidor – pagador global, criar uma consciência infantil ecológica como limite à sobrevivência humana do devir. Last but not the least, a Declaração do Milénio tenta converter o mundo a uma nova ordem. Um mundo onde as medidas se contem no balancear equitativo dos custos benefícios do passo global, na gestão prudencial do desenvolvimento sustentável, no financiamento ao mesmo, na aplicação de instrumentos convencionados sobre diversidade biológica, no combate à desertificação, na Agenda 21 e Protocolos como o de Quioto que servirão de instrumentos, quais novos checks and balances da consciência dos problemas globais do espaço mundo, enquadrado por uma nova Governance global.[8]

Bibliografia

Carmo, H. (2001). Problemas Sociais Contemporâneos. Lisboa: Uab.
CIPQV, C. I. (1998). O desafio económico. Cuidar o futuro. Um programa radical para viver melhor. Lisboa: Trinova.
Declaração do Milénio . (s.d.). Obtido de http://www.objectivo2015.org/pdf/millenniumdec.pdf
DECO. (s.d.). Manual Consumo Sustentável. Obtido de http://www.esec-s-mamede-infesta.rcts.pt/PDF/guia_de_consumo_sustentavel.pdf
Lipovetsky, G. (2009). A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. Edições 70, Lda.
Org.: Sousa Santos, B. (2001). Globalização Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento.
Silva, P. (10 de 04 de 2010). Primeiro voo rumo ao futuro. Obtido de http://pplware.sapo.pt/high-tech/primeiro-voo-rumo-ao-futuro/
Touraine, A. (2005). Um Novo Paradigma. Lisboa: Instituto Piaget.



[1] Do clima, água, camada do ozono, bio - diversidade, desertificação, desflorestação, resíduos – sólidos, industriais, urbanos – esgotamento dos recurso físicos… será que nos poderemos fiar no “nada se perde, tudo se transforma de Lavoisier?”
[2] Tecnologicamente “revolto”, capaz de ilimitada compressão do espaço - tempo, expandido quase ad infinitum financeiramente pelo crédito e, no entanto, limitado… pelos limites físicos e recursivos do globo, que qual burro de carga, “geme e dá coices!”
[3] Intersectada na nossa unidade lectiva de Globalização, Cidadania e Identidades!
[4] Como “enta”, lembro-me ainda da maior durabilidade dos bens. Parece, assim, possível um regresso ao passado, quantitativo a dar lugar ao qualitativo, nova ordem produtiva reconduzindo as empresas à sua responsabilidade ambiental e societária onde, obviamente, para evitar o impacto do desemprego será necessário repor a sociedade de lazer, perdida com este modelo de dumping e competição global do retrocesso dos valores e do paradoxo da produtividade por via do aumento dos tempos de trabalho? Nivelar por baixo à espera do retorno de equilíbrios num mundo de desequilíbrios e de capitalismo global não parece muito avisado e exigiria uma geração de novas políticas e… políticos! 
[5] Se para alguns, qualidade de vida é acesso contínuo a bons livros, a viagens q.b. e mais algumas mordomias low cost, para outros umas boas jantaradas, festas, um bom automóvel e melhores telenovelas preenchem de qualidade de vida os seus dias!
[6] De que a BLX, nós sempre prontos à crítica intestina, é um excelente exemplo nacional e municipal!
[7] Por interpostas pessoas – pelas empresas que já fazem o aproveitamento das minhas impressoras, televisões, monitores…
[8] Se a União Europeia já se afadiga na busca de um governo económico porque não um governo económico mundial?

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