Num mundo onde a mesquinhez e a defesa por omissão e inércia é o salvo conduto para a sobrevivência, a minha homenagem independentemente dos argumentos da outra parte, ao médico Gilson Alves, pela coragem em defender o que pensa correcto, fora do quadro mental de um país adoecido e dormente.
Caro Dr. Gilson Alves
Quando diz que é só meio Português estranhei!
Porque a sua raça meia Portuguesa meia Cabo Verdiana, é talvez a verdadeira raça dos verdadeiros Portugueses. Construída na luta e nas dificuldades, faz a síntese do que houve melhor em nós.
Não o conheço, mas bastaria o seu grito de alerta pelo excesso de horas a que estão obrigados, para brandir a bandeira da solidariedade.
Hoje tive conhecimento de um comunicado da maior parte dos meus colegas remetida a agência Lusa, em que afirmam que não se revêem e que repudiam as minhas críticas aos Órgãos de Gestão do Hospital de S. João e ao Serviço.
Alguns comentários:
Muitos dos que assinaram o comunicado (Prof. Adelino Leite Moreira, José Pinheiro Torres, Vítor Monteiro, Jorge Casanova ) manifestaram em muitas ocasiões a sua indignação e discordância com os métodos usados pelos dirigentes do Hospital, nomeadamente o meu esvaziamento de funções e o meu confinamento ao Gabinete Médico.
Alguns dos referidos (José Pinheiro Torres, Vítor Monteiro, Jorge Casanova), inclusive, tentaram uma posição de mediação para o problema, tentando convencer o meu director de serviço a deixar-me fazer a valência de Cirurgia Geral noutro Hospital ou transferir-me para um outro serviço e disseram por várias vezes que a minha situação era insustentável e inadmissível. Muitos deles admitiram ainda que era muito provável que fossem punidos caso um dia desafiassem a actual administração do Hospital, que é o que seria de esperar com a actual administração;
Muito me espanta que agora venham dizer que repudiam as minhas críticas aos dirigentes do Hospital e ao meu director de serviço, já que durante todo este processo, nunca os envolvi e certamente que não vou inventar motivos para os acusar de o que quer que seja.
A minha explicação pela sua tomada de posição é a solidariedade pelo Director de Serviço que já é um colega deles há décadas. Também compreendo que se sintam visados indirectamente nas críticas que fiz ao Serviço, mas não vejo nada mais além disso e, repito, nunca os visei nas minhas críticas.
Como podem repudiar as minhas críticas aos dirigentes do Hospital de me terem esvaziado de funções e colocado num gabinete médico durante três meses? Depreendo então que agora assumem que concordam com a medida. Mas volto a repetir, muitos deles manifestaram a sua solidariedade e indignação pelo tratamento a que eu estava a ser sujeito.
Quanto a não se reverem nas minhas posições é natural porque já não são internos e já não fazem 72 horas em 4 dias e nem têm programas de formação.
Quanto a atitudes inadequadas, essas afirmações já tinham sido feitas pelo meu Director de Serviço e tinham já sido publicadas nos jornais e já me tinha referido a elas. Gostaria no entanto que concretizassem quando falam nessas atitudes. Não podemos ficar por uma frase avulsa como esta, que me parece mais uma frase arbitrária do que algo concreto ou uma tomada de posição.
Trabalhei por diversas vezes com os seguintes: Adelino Leite Moreira, Ricardo Nunes, Rodrigues de Sousa, Vítor Monteiro, José Pinheiro Torres, Jorge Casanova, Luís Gonçalves. Muitas vezes alguns destes (Adelino Leite Moreira, Vítor Monteiro, José Pinheiro Torres, Jorge Casanova) afirmaram que não tinham nada apontar quanto ao meu desempenho como médico do serviço. Teceram-me aliás rasgados elogios, quer quando estive no serviço em funções, quer depois dos acontecimentos que despoletaram a minha saída. O próprio Dr. Luís Gonçalves admitiu que eu tinha feito em três meses o que ele não tinha feito num ano, aquando do seu internato.
O próprio Dr. Paulo Pinho disse-me um dia que haveria de ser um dia o líder do Serviço. Podem negar tudo agora, mas a verdade é só uma.
Todos eles, sem excepção reconheceram, por diversas vezes, que enquanto internos e até enquanto cirurgiões, cometeram erros muitos mais graves do que o que eu cometi. Portanto, entram aqui outra vez em contradição dizendo que tive essas atitudes enquanto interno de Cirurgia Torácica. Gostaria que explicassem também esta contradição.
Quanto aos médicos com quem nunca ou raramente trabalhei e com quem raramente falei (Dr. Fernando Barreiros, Dr. António Graça, Dr. Pedro Bastos), nem se compreende como podem emitir opiniões quando ao meu desempenho no Serviço). Rejeito as suas opiniões. Além disso também referem as tais atitudes inadequadas.
É de estranhar que um médico interno inexperiente, sujeito àqueles horários e a uma falta de descanso e sono grotescos, agora seja acusado de atitudes inadequadas, sem concretizarem. Creio que se referem a minha irritabilidade em relação a alguns deles e alguns elementos de enfermagem, em situações pontuais, geradas em ambiente de trabalho intenso, onde é normal haver alguma tensão. Porém disse e escrevi publicamente que esses episódios eram, na minha óptica, devidos a extrema carga laboral a que eu estava sujeito. Qualquer médico pode confirmar que a falta de descanso origina muitas coisas, duas delas são a irritabilidade e a falta de atenção, o que pode levar a erros médicos.
Ainda ontem entrou no meu gabinete o Dr. José Pinheiro Torres, meu orientador, que sempre me teceu muitos elogios e a quem nunca escondi a admiração pelo seus feitos como clínico.
Quanto a minha atitude de litígio e os meus comportamentos mais recentes, diria que eles próprios deviam ter tomado essas atitudes enquanto internos e passo a explicar porquê:
Quase todos manifestaram por várias vezes a sua revolta pela forma como foram tratados como internos de especialidade; muitos deles afirmam que se tivessem de escolher a especialidade hoje, nunca escolheriam a Cirurgia Cardiotorácica; alguns até dizem que no serviço nenhum deles se sente feliz e por isso, por várias vezes, tentaram convencer-me a repensar a minha escolha e a mudar enquanto era tempo; e os mesmos admitem que foram roubados das suas vidas e extorquidos de vários dos seus projectos pelo sistema. Quando referi a muitos dos que assinaram o comunicado que já deviam ter-se revoltado contra esse sistema há muito tempo, que os salários que recebem pelo trabalho que fazem é humilhante e que o tratamento a que ainda são sujeitos como especialistas, pelo Ministério da Saúde, é inaceitável, todos concordaram ou pelo menos, nenhum deles negou.
Muito me espanta que agora, que estou a lutar por o que não tiveram a coragem de lutar, venham tomar essa posição.
No entanto, continuo a afirmar que nada muda quanto a minha admiração por todos eles como profissionais. Para mim, foi sempre deslumbrante trabalhar com eles e nunca me poderão acusar, se forem honestos, de falta de empenho ou solidariedade, de deslealdade ou de incompetência profissional.
Obviamente que vou levar esse comunicado em consideração e concordo quando dizem que a situação actual de conflito é perturbadora para um saudável ambiente de trabalho no serviço. Seria perturbador para qualquer ambiente de trabalho, onde quer que fosse. Porém, nunca o desejei.
Não entendo porém este comunicado como uma manifestação clara do seu desejo de me ver fora do serviço ou de explícita opinião de que não tenho condições para continuar. Entendo-o como uma posição solidária com o Director de Serviço e uma forma de me fazer reconsiderar o meu protesto. O que não entendo é a sua posição quanto às críticas que dirigi a Direcção do Hospital.»
O nosso povo, de que faz parte, sofre nestes idos de XXI de uma falta de coragem paralizadora, que os transforma de um raça líder, em pobres figuras sem chama e sem alma, condenados à pequenez do pequeno privilégio, fruto das maiores malvadezes e mesquinhezes.
Assim, porque esta causa de sua se transformou em nossa, permita-me que o felicite pela sua luta e que transcreva um dos seus últimos posts como sinal do que deve ser o carácter de um povo.