«O empréstimo a Portugal e porque é que 3,25% = 5,5%
Ricardo Reis
Portugal vai receber um empréstimo de 78 mil milhões de euros, um terço vindo do FMI e dois terços da UE, a pagar nos próximos 7,5 anos.
A taxa de juro cobrada pelo FMI será 3,25% nos primeiros três anos, e 4,25% no restante, enquanto que a UE anuncia a sua taxa de juro hoje, mas já indicou que estará entre 5,5% e 6%.
Dois estranhos comentários a estes factos dominaram a imprensa desde que o acordo foi assinado. Primeiro, houve algum nervosismo e expectativa em redor do valor das taxas de juro. No entanto, a taxa cobrada pelo FMI segue uma regra rígida que qualquer pessoa pode consultar no website do Fundo. A UE, por sua vez, anunciou que iria copiar o procedimento do FMI. Logo, não havia praticamente nenhuma incerteza acerca da taxa de juro.
Segundo, emergiram críticas ferozes à UE. A taxa do FMI seria boa enquanto que a da UE seria má e incomportável. O FMI seria um amigo, enquanto que os europeus seriam uns agiotas. O FMI seria um órgão sério e independente, enquanto que a Europa estaria hoje governada por calvinistas do Norte da Europa determinados em punir os católicos prevaricadores. Pode até ser tudo verdade, mas a taxa cobrada pelo FMI e pela UE é... a mesma, idêntica, igualzinha.
Como pode ser, pergunta o leitor, se uma taxa é 3,25% e a outra é 5,5%? A resposta é que estas duas taxas se referem a dois tipos de empréstimos diferentes. Compará-las é comparar maçãs com laranjas. Quando as convertemos para a mesma unidade, elas são a mesma taxa.
Comecemos pela taxa do FMI. O custo de financiamento do FMI é hoje cerca de 0,5%. O FMI recebe fundos dos Estados membros, que por sua vez se financiam vendendo dívida pública. O custo de financiamento do FMI é uma média ponderada das taxas de juro da dívida pública de três meses na zona Euro, no Reino Unido, nos EUA, e no Japão, e por isso muda todas as semanas com as flutuações nestes mercados.
A este custo, o FMI acrescenta um prémio (ou 'spread') determinado por uma fórmula que qualquer calculadora de bolso pode resolver num instante. O prémio depende exclusivamente do tamanho do empréstimo em relação ao tamanho do país. Não depende da seriedade dos nossos problemas, de sermos portugueses, ou de haver boa ou má vontade política. Nem sequer depende da crise pois a fórmula está fixada há décadas. Para o tamanho do empréstimo a Portugal, o prémio é 2,75% nos primeiros três anos, e 3,75% nos anos seguintes. Logo, 0,5% mais 2,75% resulta nos 3,25%. Não há surpresa ou qualquer mistério nesta taxa.
Já a taxa da UE é determinada numa reunião do Ecofin, onde se sentam os ministros das finanças de todos os países. Não há nenhuma regra escrita, até porque há dois anos não se colocava sequer a hipótese de existirem estes empréstimos. Mas, desde o resgate da Irlanda, já há mais de seis meses atrás, o Ecofin anunciou repetidamente que ia seguir exactamente o mesmo procedimento que o FMI. Ou seja, adicionar 2,75% ao custo de financiamento.
Não tem nada a ver com Portugal, simpatias políticas, religião, ou agiotagem, ao contrário do que disseram alguns comentadores que tinham obrigação de estar melhor informados. É o mesmo prémio que o do FMI! A discrepância entre as taxas do FMI e da UE deve-se exclusivamente custo de financiamento da UE estar algures entre 2,75% e 3,25%. Chegado aqui, o leitor provavelmente tem algumas questões.
Primeira questão, porque é o custo de financiamento da UE mais alto que o do FMI? Por três razões. Primeiro, a taxa de juro a três meses na Europa é hoje cerca de 1,2%, bem acima das taxas no Japão, EUA ou Reino Unido, e logo do FMI. Segundo, a taxa do FMI é numa moeda especial (SDR) e não em euros. Como Portugal vai pagar em euros, existe uma diferença devido à esperada evolução da taxa de câmbio do euro, e um risco associado a este câmbio.
Terceiro, a taxa do FMI muda todas as semanas; a da UE está fixa para os próximos 7,5 anos. Esta diferença é enorme. O empréstimo do FMI custa agora 3,25%, mas daqui a três anos pode-nos custar 7% ou 8%. A taxa do FMI parece boa, mas é porque vem com o grande risco da subida esperada das taxas de juro nos próximos anos. Se o leitor for a qualquer banco amanhã e pedir uma hipoteca, também lhe vão oferecer duas hipóteses: empréstimo a taxa variável, LIBOR mais 'spread', ou empréstimo a taxa fixa. Vai ver que a segunda opção tem uma taxa bem maior. Mas um gestor bancário responsável vai avisá-lo que a LIBOR pode subir, e muito, nos próximos anos, pelo que a opção taxa fixa é mais cara mas menos arriscada.
Segunda questão, de onde vêm os 2,75%-3,25%? Uma fonte é o empréstimo a 7,5 anos que a UE pediu no mercado para financiar o resgate à Irlanda em Janeiro. Pagou 2,89%. Outra fonte é ir a um banco de investimento e pedir que lhe vendam uma conversão do empréstimo em SDR a taxa variável por um empréstimo em euros a taxa fixa. Os irlandeses fizeram isto em Dezembro e pediram-lhes de preço entre 1,5% e 2%. Ora, 1,2% de taxa de juro na Europa, mais este preço para nos livrarmos do risco do câmbio e da subida das taxas de juro dá 2,7%-3,2%.
Terceira questão, mas 5,5% não é muito? Sim, até porque implica que mesmo que equilibremos as contas públicas, o crescimento económico em Portugal vai ter de ser em média cerca de 3,25% por ano nos próximos oito anos para podermos pagar a dívida. A última vez que conseguimos esta proeza foi no ano 2000.
Quarta questão, mas a Europa não podia cobrar menos? Com certeza que sim. Qualquer taxa acima dos 3,25% de custo de financiamento é possível. Nada obriga a Europa a seguir a regra do FMI. Aliás, a UE tem o seu futuro em jogo no sucesso destes empréstimos pelo que tem muito mais interesse do que o FMI em cobrar uma taxa de juro baixa. Mesmo no curto prazo, este empréstimo serve tanto para nos ajudar como para ajudar os bancos europeus que emprestaram a Portugal e estão agora em apuros. Poderia ser do interesse de todos que a taxa fosse mais baixa. Espero que seja isso que aconteça nos próximos meses.
Concluo com as três lições deste ensaio. Primeiro, é um disparate dizer que a taxa de juro da UE é mais alta do que a do FMI porque 5,5% é maior do que 3,25%. São taxas diferentes. Segundo, não há nenhum mistério ou conspiração por trás da taxa da UE, que está desenhada para ser igual à do FMI, quando convertidas para a mesma unidade. Terceiro, que a UE pode e deve cobrar menos pelo empréstimo. Portugal, Irlanda e a Grécia deveriam passar os próximos meses a lutar acerrimamente por esta redução.
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Ricardo Reis, Economista»