"é
tempo de parar de ouvir o que os bancos dizem e de começar a focar-nos
no que eles fazem. Temos de reavaliar a economia política distorcida do
sector financeiro antes que o seu excessivo poder imponha custos ainda
maiores sobre toda a gente"
Assim termina o artigo -
Captured Europe - publicado no
Project Sindicate , e traduzido no
Negócios On line.
Os autores,
Daron Acemoglu e
Simon Johnson,
professores no MIT, são peremptórios nas conclusões: A Europa
encontra-se capturada pela banca e essa captura criou e mantem as
circunstâncias que levaram às situações dramáticas em que se encontram
alguns estados membros da União Europeia. Vale a pena ler o artigo
original no site do
Project Sindicate sobretudo pelos comentários que está a suscitar.
Venho há muito tempo, quanto ao essencial da questão, a escrever o mesmo
neste caderno de apontamentos: ou se mudam as circunstâncias que
permitiram, e continuam a permitir, à banca actuar exclusivamente em
função dos interesses protegidos (
moral hazard) dos banqueiros e
dos especuladores, ou o desequilíbrio congénito dos mercados
financeiros acabará sempre fazer implodir uma parte ou a totalidade do
sistema.
Mas o artigo é sobretudo pertinente
neste momento porque, perante a implosão, surge a questão que em
Portugal se tornou obsessiva a partir da altura em que o governo adoptou
o jogo do faz-de-conta com o beneplácito da troica: vamos precisar de reestruturar a dívida sim senhor mas por enquanto não queremos que se saiba.
Afirmam Daron Acemoglu e Simon Johnson:
"A
elite política da Europa – as pessoas que lançam as cartas a nível
nacional e da Zona Euro – está em sérios apuros. A sua gestão levou a
região para uma crise profunda, traindo todas as grandiosas promessas de
unidade e prosperidade referidas aquando da criação do euro. A
união monetária pode acabar por sobreviver mas, para milhões de pessoas,
o euro já falhou nas suas missões de sustentar o crescimento e de
assegurar a estabilidade. Como é que isto aconteceu?
(...)
Há uma maneira simples de lidar com o excesso de dívida: reduzir os pagamentos através de uma reestruturação da dívida. Muitas
empresas conseguem renegociar as condições de financiamento com os seus
credores – normalmente, através da extensão das maturidades das
obrigações, permitindo-lhes pedir mais dinheiro emprestado para
financiar novos e melhores projectos. Se a negociação não for
alcançada de modo voluntário, as empresas norte-americanas podem
recorrer ao Capítulo 11 do código das falências [Chapter 11], sob o qual
um tribunal fiscaliza e aprova a reorganização do endividamento.
Por isso, pensar-se-ia que o mesmo seria verdade tanto para as famílias
norte-americanas como para os governos europeus em apuros. Mas a reestruturação da dívida tem sido muito reduzida e veio demasiado tarde. Porquê?
Em
ambos os casos, o principal argumento para não remover o excesso de
dívida vem dos banqueiros, que defendem que tal iria criar uma
destruição nos mercados por duas razões. A primeira é a de que os bancos
são credores primários, e os enormes prejuízos que enfrentariam em
qualquer reestruturação iriam desencadear um efeito dominó, com ondas de
pessimismo a elevar as taxas de juro implícitas e a arruinar as
expectativas de quem pediu empréstimos. Em segundo lugar, os bancos
também seriam prejudicados pelo facto de terem vendido seguros contra
incumprimento – em forma de "credit-default swaps". Quando estes títulos
fossem activados, os bancos iriam incorrer em prejuízos possivelmente
muito mais prejudiciais.
No
caso da Grécia, os banqueiros internacionais argumentaram durante muito
tempo e com muita força que uma reestruturação à dívida iria criar um
contágio em toda a Zona Euro – e talvez, até, além da região. E, mesmo
assim, a Grécia não teve outra escolha a não ser reestruturar a
dívida, cortando o valor dos créditos privados em cerca de 75%
relativamente ao seu valor facial (embora ainda possa não ser suficiente
para tornar sustentável o encargo com a dívida do país). Foi
considerado como um "evento de crédito", razão pela qual os
"credit-default swaps" foram exercidos: aqueles que garantiram seguros
contra incumprimento tiveram de pagar.
Abriu-se a porta para todo o tipo de problemas? Não. Os bancos não foram à falência e não há sinais de dominós de desordem. Mas
isso não se deveu ao facto de os bancos se terem preparado com aumentos
ou reforços de capital. Pelo contrário, comparando com os prováveis
prejuízos no futuro, os bancos europeus reforçaram relativamente pouco
capital nos últimos tempos – e muito dele foi através de contabilidade
criativa, mais do que através de uma verdadeira absorção de todas as
perdas no capital próprio.
Talvez
o risco de que a reestruturação da dívida da Grécia conduzisse a uma
crise financeira tenha sido sempre mínimo, e se esperasse já a
tranquilidade nos mercados. Mas, nesse caso, porquê todo este alarido?
A
resposta deve ser óbvia neste momento: os grupos de interesse e a visão
das elites políticas. Mesmo que o risco para o sistema financeiro fosse
mínimo, o impacto sobre os bancos e os detentores de obrigações seria
substancial. Estes perderiam milhões e muitos funcionários do sector
financeiro ficariam sem emprego. Sem surpresas, os maiores banqueiros
juntaram-se contra a reestruturação da dívida, tanto em privado como em
público.
Por
exemplo, o Instituto para as Finanças Internacionais, um proeminente
grupo de pressão a favor dos grandes bancos, sedeado em Washington, nos
EUA, defende consistentemente: resgatem-nos ou toda a gente vai sofrer
as consequências. Mas, tão importante como o seu enredo é o seu poder
político, que tem vindo a crescer bastante nos últimos anos – até ao
ponto em que todos os grandes decisores políticos nos EUA e na Europa
protegem as fortunas dos bancos mesmo quando estas não têm grandes
implicações para a economia.
Mesmo neste momento, muitas
das perdas que os banqueiros deveriam enfrentar estão a cargo do sector
público, incluindo através de várias formas de apoio directo ou através
das acções extraordinárias e arriscadas do Banco Central Europeu. A
extensão dos subsídios neste sector é magnífica e, sob as actuais
políticas, deve apenas aumentar ao longo do tempo – apoiando sobretudo,
desse modo, os estilos de vida do 1% milionário da população de países
muito ricos.
O
incumprimento grego acabou por se tornar naquele proverbial cão que
nunca morde. A lição para a Europa – e para os EUA – é clara: é
tempo de parar de ouvir o que os bancos dizem e de começar a focar-nos
no que eles fazem. Temos de reavaliar a economia política distorcida do
sector financeiro antes que o seu excessivo poder imponha custos ainda
maiores sobre toda a gente.
Daron
Acemoglu é professor de Economia no MIT e co-autor de Why Nations Fail:
The Origins of Power, Prosperity and Poverty.
http://whynationsfail.com/
Simon
Johnson, professor na Sloan School of Management, do MIT, e membro do
Peterson Institute for International Economics, é co-autor de White
House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why it
Matters to You. http://whitehouseburning.com/
A ler com muita atenção e a devida vénia vindo do Aliás!