segunda-feira, 4 de março de 2013

A FRAUDE OU ENGANO DA AFIRMAÇÃO DA CRISE COMO DECORRENTE DO DESCONTROLO ORÇAMENTAL OU DA FALTA DE REFORMAS ESTRUTURAIS

Podendo muitos de nós ser avessos a «fazer ciência» através da blogosfera, não deixa de ser verdade que a profunda actualização dos seus dados, a convergência de múltiplos pontos de vista e a sua diversidade de matérias, promove muitas vezes princípios orientadores e inovadores de teses focadas sobre o tempo atual.

O economista Ricardo Paes Mamede afirma, num post denominado «a crise europeia explicada em dois gráficos», http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/03/a-crise-europeia-explicada-em-dois.html, uma mais que possível explicação para a atual crise das dívidas soberanas apontando a visão do “estar no comboio da frente” da integração (custe o que custar?), como a mãe de todos os erros de governação.


No post linkado acima está descrita a tese de Paes Mamede e o contraponto que faz à versão oficial da explicação e causas, para alguns, da crise: a crise resulta de práticas orçamentais erradas e da ausência de reformas estruturais em alguns países.”
Através das correlações e quadros apresentados, Paes Mamede afirma: A crise das dívidas soberanas decorre da acumulação de dívida externa (pública e privada) em algumas das economias da UE nas últimas duas décadas (e não do descontrolo orçamental ou da ausência de ‘reformas estruturais’)”.
E explica mais detalhadamente:
«Nos 20 anos que precederam a grande crise internacional, as economias da UE foram sujeitas a um conjunto de transformações profundas, grande parte das quais politicamente induzidas, como sejam: a abolição das barreiras alfandegárias no seio da UE, a criação do mercado interno de capitais, a liberalização dos movimentos e actividades financeiras, a crescente centralização das políticas monetária e orçamental, os acordos de comércio entre a UE e a China (e outras economias emergentes), o alargamento da EU a Leste, a apreciação do euro face ao dólar (a partir de 2003), ou o forte aumento dos preços do petróleo (entre 2002 e 2008). Estas transformações e evoluções aplicaram-se a todos os Estados Membros por igual. No entanto, sendo as estruturas económicas de partida muito diferentes, tais alterações tiveram impactos muito diferenciados. Tendo abdicado dos instrumentos de política fundamentais para gerir esses impactos, os países com estruturas produtivas menos avançadas acumularam muito mais dívida externa (pública e privada) do que os restantes. É isto que mostra o segundo gráfico.»
Alguns comentadores acrescentam: «Portugal, Holanda ou Finlândia, por exemplo, são países totalmente diferentes, quer do ponto de vista económico quer do político ou mesmo do cultural. Como é que passou pela cabeça de alguns iluminados de que a mesma política funcionaria para todos?» não provocando inevitáveis choques assimétricos, acrescentaria eu.
E Paes Mamede conclui: «Não faz sentido afirmar que a crise das dívidas soberanas se deve fundamentalmente a erros de governação (que existiram, sem dúvida) cometidos nas últimas décadas nos países mais afectados. A crise deve-se à decisão de submeter economias com estruturas muito distintas às mesmas regras e às mesmas políticas. O erro de governação fundamental que pode ser apontado aos governos dos países em crise foi a decisão de participar no processo de integração europeia nos termos em que o fizeram (e que se revelaram desastrosos para as respectivas economias). O erro que lhes será apontado no futuro será o de não aprenderem com a história e prosseguirem pela mesma via.»
Nos últimos anos abracei três áreas distintas: a economia, a gestão e os estudos europeus -ou estudos sobre a europa. Sempre pensei que só olhares integradores, conjugando ângulos e abordagens diferentes, permitem aceder a inferências escondidas e novas abordagens. O subconjunto dos pontos de vista tem sempre um outro conjunto que o abarca.
A tese, «a crise europeia sob o olhar de instrumentos de gestão», confronta a gestão estratégica e a economia regional com a crise atual europeia – na linha da conclusão similar à despoletada por Ricardo Paes Mamede. Fenómenos de polarização, já perfeitamente explicados por Myrdal, acumulam com a observação de estratégias não convergentes na UE (a quase exclusão de alguns dos princípios fundamentais constituintes da UE - que funcionavam como cimento agregador nas fases de maior divergência e convergência, como o do respeito pela identidade nacional dos estados membros, o princípio da solidariedade, o princípio da integração diferenciada, o princípio da não discriminação e o princípio da subsidiariedade).
Parece, assim, evidente, dois tempos na UE. Um primeiro, ganhador, de aparente integração com respeito pelas tropias próprias das partes com a UE como cimento do coletivo; uma segunda, com a tentativa de implementação de um modelo único, com pouca atenção a pontos de partida e às identidades próprias.
A crise mostrando os seus efeitos nos orçamentos, não parece ter estas como causa, e muito menos a falta de reformas estruturais, já que muitos desses desequilíbrios são consequência, eles próprios, dessas reformas de aproximação de contextos (de formação, de infra-estruturação, etc…), mas em estratégias comuns erradas e numa evidente falta de solidariedade do todo Europeu - que contrarie os naturais desequilíbrios provocados por “europas diferenciadas” na escala e pontos de partida.
A informação veiculada por este órgão de comunicação social, A TVI 24, é ela própria indiciadora de uma Europa que reforçou paradoxalmente a sua componente mais soberana, sucumbindo à pressão do mais forte através da afirmação do conselho, em detrimento de uma Europa mais democrática e menos centralista:
«Os ministros das Finanças da Zona Euro reúnem-se esta segunda-feira em Bruxelas e um dos temas em cima da mesa é a extensão das maturidades dos empréstimos a Portugal e à Irlanda. Ou seja, o Eurogrupo vai debater se vai ou não dar mais tempo aos dois países para pagarem de volta o dinheiro emprestado pelas entidades europeias.»
A Europa como um todo de departamentos e partes na economia das empresas, só se pode construir na diversidade e na convergência da liderança democrática, não na liderança diretiva, na polaridade, na imparidade e na desigualdade pela escala. 

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