Entre o imediatismo palpável e o espírito, o idealismo ou o romantismo subjectivo escapista dos descontentes, das agruras deste mundo, o materialismo dialéctico e histórico, o mecanicismo, o positivismo e o utilitarismo de quem cede o passo ao prazer imediato e mundano do estender o braço à optimização do bem - estar, o convívio intelectual com o passado em e com Jeremy Bentham e John Stuart Mill, mas também com Coleridge e Wordsworth, os lake poets, percebe-se que nem só de pão vive o homem, como também sem ele não se faz a história do mesmo. Muito menos na era da besta Industrial, do carvão mineral, da revolução do ferro, da máquina de Newcomen, da divison of labour hábil, competente e rentabilizadora do tempo, onde o homem descentrado começa a confundir-se com a máquina, extensão do seu braço exangue de emoção e humanidade. As palavras de Burke, muito ao estilo da acomodada Igreja Anglicana, sobre os desfavorecidos que se confundem com as classes trabalhadoras Britânicas, advogando, em ano de fome, Patience, labour, sobriety, frugality and religion, simboliza bem como o establishment se tinha dissociado das realidades sociais desta nova Grã-Bretanha, workshop of the world, qual versão antecipada do Modern Time de Chaplin.
Assim, o imediatismo e empirismo do tempo de uma sociedade já há muito em perda de lealdades comunitárias, essa cash nexus, saudosa, a espaços, do longínquo Kinship e do Comitatus, porta aberta ao grande mundo das sensações do Império, senhora de sobras[1], domadora do tempo e medidas, liberta há gerações das peias - teias da ética castrante católica, cheia da energia moral do puritanismo, freadora de absolutismos e monarcas, conectada por esse novo conceito de atracção[2] newtoniana onde a metafísica e a teologia são superadas pela razão[3], senhora de uma ética protestante dignificante na austeridade, individualismo e sobriedade do trabalho.
Empirismo e utilitarismo de uma nação prática, pragmática, resoluta, rude, distendida, sofregamente Imperial, nação em tempo de laissez faire, laissez passer, mesmo com os paradoxais Turnpike Roads, votada ao exercício da liberdade natural e primado do liberalismo, recheada de práticos inventores auto-didactas como Watt, Hargreaves, Arkwright, Kartwright, filha do egoísmo do homem self-wolf Hobbesiano, do individualista lutador pela subsistência each for himself and the law of England for all (Faria, 1996, p. 417).
Sendo, assim, a procura do bem pessoal e o self interest, parecem uma marca de água das atitudes setecentistas, glorificadas pela inefável e liberal Wealth of Nations de Adam Smith, alicerçadas no valor – trabalho de Ricardo, fruto de uma deriva do pensamento iluminista dos dois founding fathers, Hobbes e Locke, do pensamento pragmático, empírico, mecanicista, positivista, racional e liberal da sociedade Inglesa. Mas como não há acção sem reacção, a convivência material com o romantismo de Coleridge, o poeta, o idealista, o não vislumbre da matéria sem espírito, esse idealismo Germânico, esse pensamento demasiado Cartesiano do penso, logo existo, que desboca na génese Kantiana das lentes cognitivas, acúmulo de percepções e observações mas também de criatividade, de imaginação e do poder de abstracção (Silveira)[4].
Assim, o Spirit of the Age, de um tempo Jorgiano[5], onde à vez se sobrepõem Whigs e Tories, onde as mudanças se fazem no sentido de uma diferenciação e diversificação crescente (Rémond, 1994, p. 169), do Liberalismo ainda censitário, consecutivamente revolucionário e conservador, disfarce do domínio de uma classe[6] (Rémond, 1994, p. 150), carrasco do antigo regime e do absolutismo, avessa à soberania popular, à democracia integral e ao avanço das forças sociais.[7]
Mill, sintetizador de um século que ao querer ser liberal e individual libertando-se do jugo das forças e mordaças do antigo regime, revela-se na própria crise espiritual dos seus verdes 20 anos[8], apontando a variedade de carácter expandida nas suas inúmeras e contraditórias direcções, uma espécie de homem total, simultaneamente gerado pelo prazer imediato do material e pelo aspergir subjectivista do ideal. E, assim, os princípios egoístas do utilitarismo Benthamita são apenas uma parte desta época de transição On Liberty, nestas correntes relacionais Benthamistas e Coleridgianas, que revela that every Englishman of the present day is by implication either a Benthamite or a Coleridgian. (Faria, 1996, p. 427). By implication, alicerçado nos conceitos justiça e direito dos costumes tradicionais, temperado pelos food riots da moral economy, caudal de rebeldia controlo subtil da gentry sobre as classes populares, a lei secular, os apports[9] que vão dando individualidade ao processo, o excesso de razão abre destarte espaço ao idealismo romântico.
Assim, desta sociedade em trânsito, anteriormente recheada das fidelidades dos pequenos espaços e das relações domestic system, trespassada já por uma nova cosmovisão e ética religiosa, multiplicada por novos espaços e individualismos, proletarizada[10] em vagas e urbanizada por uma ruptura com os hábitos tradicionais da vida rural[11], alimentada por recursos naturais, dona de alguma liberdade civil, que não ainda de liberdade política, tocada pela Revolução Americana, Francesa[12], pela Agrária, Transportes, Demográfica, Industrial, poderíamos dizer que os dados, quais pressupostos, já há muito foram lançados! Falar de John Wilkes e da defesa das liberdades de uma sociedade, nos Nababos, rapina colonial, comércio de escravos e formas exóticas de cultura, correlação prosperidade - radicalismo, conservadorismo, institucionalismo tradicional da igreja, Estado, propriedade e seriedade moral evangélica[13] é reforçar pressupostos. Cumulativamente a páginas tantas (Faria, 1996, p. 350) encontramos, na definição de Roy Porter, três aspectos do peculiarismo de carácter da sociedade Inglesa de setecentos: a força da hierarquia social muito desigual, a disciplina na família no trabalho e moral, mas também a sua maleabilidade e mobilidade! Elemento estabilizador, válvula de escape, as recompensas espirituais através da Educação e do Metodismo[14], uma classe média estendida e a percepção do trabalho e sobriedade, a propiciarem promoção social e prosperidade.[15]
Em conclusão: o sincretismo de pensamento de John Stuart Mill revela uma sociedade complexa, onde há lugar para mecanismos Utilitários Benthamistas mas também para novos reportes Coleridgianos. Os pressupostos que urdiram a convivência do materialismo e do idealismo, de uma sociedade aberta à Modernidade, fizeram caminho desde o comunitarismo ao individualismo, do absolutismo ao liberalismo, da ruralidade ao urbanismo, do artesanal ao industrialismo, do censitismo ao democraticismo … do egoísmo Hobbesiano, ao equilíbrio dos impulsos egoístas de Shaftesbury, do individualismo socialmente contextualizado, ao individualismo secular do desintegrado homem fabril. Assim, é na conjunção de alguns destes princípios não ordenados, tomada de consciência de um novo egoísmo, princípios friamente racionais sustento ideológico da infância da industrialização, enclosures, extinção do yeoman, poor rates para pobres homens, hungry forties, proletariado, consciência de classe, establishment, mão invisível das leis naturais, tirania fabril, relação pessoal versus relação impessoal, Sunday Schools, dicotomia Reforma – Revolução, sociedade parcialmente liberal na óptica do liberal dos séculos vindouros, e na sua contra-resposta, fruto dessa contradição liberal criadora do homem proletário Working Class, que se engendram os aparentemente opostos elementos filosóficos material e ideal. Os pressupostos de novo regime estão lá[16], correndo o risco de rapidamente se tornar velho, levados pela radicalização no e do eu de cenário que desagrada ou frustra, de uma Nobreza que já caiu e pequena Burguesia que ainda não ascendeu, ao deixar fora do repasto e na rapacidade impessoal da nova ordem, uma enormidade de outros homens que aspiram já a mais novas, amplas e democráticas liberdades. Mas o socialismo utópico dos Owen, o luddismo e o cartismo, os materialismos históricos e dialécticos de outros, ficarão para outros tempos de recensão, de composições e aspirações, q.b., a mais materialismo ou idealismo!
[1] O processo de acumulação, de uma Inglaterra na posse de um sistema financeiro desenvolvido, contraponto ao lamento determinista malthusiano! … da Revolução Científica à Revolução Comercial, à Agrícola, à Demográfica, à dos Transportes, à Industrial … dos seus precursores Bacon, Boyle, Newton …
[2] O conceito de atracção de fenómenos que possibilitará a David Hume, a conexão entre ciências da natureza e Ciências humanas. Excelente a explicação, a páginas 261 do manual S.C.I., das três ideias chave de 18 a 20: da atracção, à evolução, à dialéctica!
[3] Seja ela razão puramente mecânica ou um instrumental da inteligibilidade. Locke e Newton domaram o mundo instável e desordenado!
[4] Se o escrito de Descartes se difundiu amplamente no Continente, a filosofia experimental que se desenvolveu em Inglaterra, parece ter impedido a aceitação fácil de qualquer sistema dedutivo, sendo o sistema de Descartes considerado gerador de dissensões, tanto quanto, também, o sistema extremamente materialista de Hobbes, impondo a defesa da observação e análise, John Locke, como mestre da sabedoria!
[5] De Jorge I a Jorge V, Casa de Hanôver, casa ou século dos Jorges?
[6] A burguesia possidente.
[7] A próxima maré que se aproxima porque ao povo, já esta não basta, libertado das grilhetas do antigo regime, encontrando-se agora amordaçado e escorado pela burguesia.
[8] O monopólio do material não lhe afasta uma estranha e inexplicada tristeza: to be a reformer of the world, faz imergir a internal culture of the individual.
[9] E como eles se rapidamente desenrolam, num misto de Revoluções a consensos …
[10] … nas margens, pela nova sociedade Industrial, enquanto assistia em simultâneo à ascensão de uma alargada classe média.
[11] Pelos novos enclausurados, descomunitarizados, expulsos pelas enclosures.
[12] Apesar dos Edmund Burkes do seu mundo e da resposta dos Rigth of Man de Thomas Paine!
[13] Não contraditória com uma poderosa agressividade comercial … traço do pragmatismo Britânico!
[14] Pau de dois bicos, doutrina amortecedora – castradora social! A religião como meio de repressão e de … rebeldia!
[15] É curioso como a Sociedade Inglesa pareceu sempre responder com um misto de coacção mas também de concessão - novamente o pragmatismo? - a interesses opostos e descontentamentos: desde, com Pitt, o esvaziar dos ímpetos revolucionários Britânicos, como a instauração do Speenhamland System, o Catholic Emancipation Act, o Reform Bill de 1830, o Reform Act de 1832, a abolição das Corn-Laws, …
[16] Na dureza dos novos espaços e intensidades de fabricação, nas novas relações sociais, de trabalho e produção, na nova impessoalidade, desta nova sociedade industrializada urbanizada a cinzento.
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