por Luís NavesHá cem anos, por estes mesmos dias, Portugal afundava-se num declínio manso. Como hoje.Tenho andado a ler jornais da época e curiosamente encontra-se muita prosápia e conversa, mas nem sequer uma discussão sobre a crise que se agigantava.O contexto europeu de 1910 era algo diferente: Portugal encontrava-se ligado à superpotência da época, a Grã-Bretanha, que a burguesia urbana detestava, tentando associar o rei a essa aliança; havia um regime monárquico que parecia incapaz de enfrentar a sociedade. Popular nas zonas rurais, era certo, mas politicamente inepto, indeciso e sem soluções. A sua acção era um deixar andar, que logo se veria: nem rupturas nem sequer reformas ousadas. O rei e quem o rodeava pareciam paralisados e sonolentos, no desespero de tentarem não abanar muito o barco.A democracia era imperfeita e reinavam os caciques locais. O país estava altamente endividado (pode até fazer-se um paralelo quase exacto com o que se passa hoje) e o frágil sector industrial, o mais avançado da economia, mergulhara num período de grande agitação operária. A maior parte da população, 70%, era de analfabetos. E, nas cidades, fervilhava a conspiração política. Tornar-se um radical era a única forma de ascender socialmente.Aquele era um regime autista, demasiado preocupado com as colónias e à beira de as perder. Acho que se poderia tentar provar a tese de sobrextensão imperial, talvez uma das causas da nossa pobreza. E se Portugal tivesse então perdido as colónias africanas talvez se tivesse poupado a mais 65 anos de ilusões imperiais (enfim, mas essa é a minha especulação).Não se percebe, na leitura desses jornais, como foi possível a revolução e a mudança de regime. Mas havia sinais de intranquilidade. Histórias de violência, loucos à solta, pancadaria sem razão, distúrbios populares que começavam sem motivo aparente. Também crimes bárbaros. Uma indisciplina geral, que alguns aproveitaram.
Este ano de 2010 é diferente, mas há elementos que não mudaram: a nossa elite continua cega e surda aos sinais de crise. O país afunda-se e só se ouve propaganda seráfica. Continuamos atrasados, irrelevantes, contentes com o nosso destino. Somos sempre os maiores, os mais sábios, os mais doutores; se preferem a metáfora futebolística, basta ouvir os comentadores a dizerem, antes da derrota, que os nossos jogadores são os mais hábeis tecnicamente.A economia não cresce, excepto na dívida e no desemprego. Os trabalhadores que restam trabalham mais por menos salário. As estatísticas da educação melhoram porque se chumba menos, não porque se saiba mais. O que havia de escolas especiais fecha por que se poupa. Os serviços pioram enquanto se paga mais por eles, mas alguns insistem em que devem ser gratuitos.E não há discussões ponderadas, só berratas, onde alguns usam um discurso cheio de veneno, repleto de soberba estúpida, que lembra a fé cega dos beatos.Há outra semelhança: os partidos, que são agências de emprego de uma aristocracia de snobs, ignorante e pomposa, que nunca trabalhou nem jamais quererá trabalhar.Os intelectuais, esses falam para uma casta de iluminados, no intervalo dos discursos para o umbigo. Sentem-se das classes superiores, estão lá nas suas cátedras de cristal, a filosofar sobre os numerosos problemas da Albânia e do Arkansas, com o conhecimento de causa de quem dá lições ao mundo.
Julgo que está na hora deste país acordar. Não somos os melhores nem os piores, mas temos de ter mais ambição e afastar de vez esta mediocridade geral que toma conta da vontade, que privilegia quem não tem qualidades e facilita este viver bem português que consiste em ir afundando devagarinho num pântano de mentiras.»
Ontem Francisco Louçã, a deshoras, foi convidado de um programa inteligente da nossa televisão.
De sapatilhas casual e aquele ar desempoeirado de quem vai de transporte público para o Parlamento, genuíno, embora tímido e já com os tiques de defesa dos pares, Louçã pareceu-me também descrente nas soluções.
Radicalmente correcto no apontar de inúmeros desmandos do nosso regime, sacos de dinheiro a sair dos cofres, os nossos cofres, Louçã tem no entanto esse paradoxo de defender as PME's defendendo o aumento dos gastos públicos com unhas e dentes, gastos que se apresentam sob a forma de facturas aos seus clientes, as PME's!
Pobre país, assim, que querendo dar uma no cravo e outra na ferradura, faz mancar o cavalo e albarda-o até à exaustão!
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