quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O CAVALO DE LOUÇÃ

por Luís Naves
Há cem anos, por estes mesmos dias, Portugal afundava-se num declínio manso. Como hoje.
Tenho andado a ler jornais da época e curiosamente encontra-se muita prosápia e conversa, mas nem sequer uma discussão sobre a crise que se agigantava.
O contexto europeu de 1910 era algo diferente: Portugal encontrava-se ligado à superpotência da época, a Grã-Bretanha, que a burguesia urbana detestava, tentando associar o rei a essa aliança; havia um regime monárquico que parecia incapaz de enfrentar a sociedade. Popular nas zonas rurais, era certo, mas politicamente inepto, indeciso e sem soluções. A sua acção era um deixar andar, que logo se veria: nem rupturas nem sequer reformas ousadas. O rei e quem o rodeava pareciam paralisados e sonolentos, no desespero de tentarem não abanar muito o barco.
A democracia era imperfeita e reinavam os caciques locais. O país estava altamente endividado (pode até fazer-se um paralelo quase exacto com o que se passa hoje) e o frágil sector industrial, o mais avançado da economia, mergulhara num período de grande agitação operária. A maior parte da população, 70%, era de analfabetos. E, nas cidades, fervilhava a conspiração política. Tornar-se um radical era a única forma de ascender socialmente. 
Aquele era um regime autista, demasiado preocupado com as colónias e à beira de as perder. Acho que se poderia tentar provar a tese de sobrextensão imperial, talvez uma das causas da nossa pobreza. E se Portugal tivesse então perdido as colónias africanas talvez se tivesse poupado a mais 65 anos de ilusões imperiais (enfim, mas essa é a minha especulação).
Não se percebe, na leitura desses jornais, como foi possível a revolução e a mudança de regime. Mas havia sinais de intranquilidade.  Histórias de violência, loucos à solta, pancadaria sem razão, distúrbios populares que começavam sem motivo aparente. Também crimes bárbaros. Uma indisciplina geral, que alguns aproveitaram.

Este ano de 2010 é diferente, mas há elementos que não mudaram: a nossa elite continua cega e surda aos sinais de crise. O país afunda-se e só se ouve propaganda seráfica. Continuamos atrasados, irrelevantes, contentes com o nosso destino. Somos sempre os maiores, os mais sábios, os mais doutores; se preferem a metáfora futebolística, basta ouvir os comentadores a dizerem, antes da derrota, que os nossos jogadores são os mais hábeis tecnicamente.
A economia não cresce, excepto na dívida e no desemprego. Os trabalhadores que restam trabalham mais por menos salário. As estatísticas da educação melhoram porque se chumba menos, não porque se saiba mais. O que havia de escolas especiais fecha por que se poupa. Os serviços pioram enquanto se paga mais por eles, mas alguns insistem em que devem ser gratuitos.
E não há discussões ponderadas, só berratas, onde alguns usam um discurso cheio de veneno, repleto de soberba estúpida, que lembra a fé cega dos beatos.
Há outra semelhança: os partidos, que são agências de emprego de uma aristocracia de snobs, ignorante e pomposa, que nunca trabalhou nem jamais quererá trabalhar.
Os intelectuais, esses falam para uma casta de iluminados, no intervalo dos discursos para o umbigo. Sentem-se das classes superiores, estão lá nas suas cátedras de cristal, a filosofar sobre os numerosos problemas da Albânia e do Arkansas, com o conhecimento de causa de quem dá lições ao mundo.

Julgo que está na hora deste país acordar. Não somos os melhores nem os piores, mas temos de ter mais ambição e afastar de vez esta mediocridade geral que toma conta da vontade, que privilegia quem não tem qualidades e facilita este viver bem português que consiste em ir afundando devagarinho num pântano de mentiras.»
Ontem Francisco Louçã, a deshoras, foi convidado de um programa inteligente da nossa televisão. 
De sapatilhas casual   e aquele ar desempoeirado de quem vai de transporte público para o Parlamento, genuíno,  embora tímido e já com os tiques de defesa dos pares,  Louçã pareceu-me também descrente nas soluções. 
Radicalmente correcto no apontar de inúmeros desmandos do nosso regime, sacos de dinheiro a sair dos cofres, os nossos cofres, Louçã tem no entanto esse paradoxo de defender as PME's defendendo o aumento dos gastos públicos com unhas e dentes, gastos que se apresentam sob a forma de facturas aos seus clientes, as PME's!
Pobre país, assim, que querendo dar uma no cravo e outra na ferradura, faz mancar o cavalo e albarda-o até à exaustão! 

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