Juan José Millás.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de ter sido semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tomes conhecimento da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que no decorrer desse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer. Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas – e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra, em geral, é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita de verdade à meia-noite. Um país que, na perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional, a do tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para um concurso. Nada disso conta para a economia financeira nem para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país – este, ao acaso –, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública – onde estas ainda existirem – os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, em termos mais simples, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto estás a ler estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, nem justo nem legítimo, são-no num movimento especulativo incentivado por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro. Tu e eu, com a nossa febre, com os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, com o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Já somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr debaixo do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou chamada juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que ficam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até as ganham, e porque atrás deles há importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos todos regulares. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam os gráficos.
Estão a alterar o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém dê solução; mais, enviando as forças da ordem contra quem tenta dar soluções. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um burla autorizada, um produto financeiro, quer dizer, um objeto irreal no qual tu investiste, provavelmente, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumo, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que já são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, é preciso semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, é preciso colhê-la, claro, e embalá-la e distribui-la e faturá-la a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora estão a reduzir porque a economia financeira tropeçou e é preciso tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está dedicada a sugá-lo, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passe a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.
Juan José Millasé um escritor espanhol. Alcançou a consagração literária com a obra "El desorden de tu nombre". Em 1990 obteve o prémio Nadal com "La soledad era esto". Atualmente alterna a sua dedicação literária com numerosas colaborações na imprensa. É professor da Escuela de Letras de Madrid desde a sua fundação.
Publicado no El País.»
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