quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

OS IMIGRANTES EM PORTUGAL E OS MODELOS DA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA HISTÓRICO ESTRUTURAL


A construção da primeira frase de argumentário sobre a lógica de instalação e inserção profissional, em Portugal, dos estrangeiros activos, numa perspectiva dos modelos histórico-estruturais, independente de perspectiva, ainda na lógica reflexiva de um dos muitos quadros conceptuais, sobre a inserção profissional no mercado de trabalho nacional de activos estrangeiros faz-me, enquanto em processo de maturação, chamar à colação elementos como, o palco, os actores e a concepção holística do mercado de trabalho e da economia. Os actores porque não há espaço sem sujeitos, o palco porque não há actores desprovidos de espaço-tempo, a concepção holística - porque do mesmo modo que não há parto sem dor - também não vislumbro perspectiva sem “totalismo” e simbiose dos elementos.

Dito isto, e depois da impressão causada pelo estudo “Migration to european Countries. A structural Explanation of Patterns”, discorrer, sobre todo ou parte do argumentário da funcionalidade dos modelos teóricos numa perspectiva aplicada histórico - estrutural, focada em cima da informação sobre as últimas quatro décadas da lógica de instalação dos activos estrangeiros no ambiente laboral da nação Portuguesa, não parece fácil, para quem crê que só uma visão total, aberta a outras correntes, captura todo o sentido das modificações ocorridas.

Apesar disso, a utilização de modelos de raiz histórico – estrutural, determinando e dissecando o volume, as tendências e os padrões migratórios numa específica e determinada formação social, “capturam” coerência interna, num mix de lição de história e de assunção de ideologias, estruturas que poderão mais tarde albergar os actores, outras correntes e factores.

Para um país que acordou, tarde, no após – II guerra, mantido um pouco à margem, periferia, de um dos tempos mais pujantes do desenvolvimento do sistema capitalista mundial e do Ocidente Europeu, num rasto de orgulhosamente só, paradoxalmente na sua autarcia, internalizando, quase “mimetizando”, centro e periferia no Portugal multi – territorial do Minho a Timor, a mobilização do argumentário histórico - estrutural na sua perspectiva de modelo simplex do materialismo histórico, assume aos meus olhos um carácter explicativo possível, mas claramente insuficiente. Insuficiência que, em malha apertada, fora de uma visão de estrutura macro, permite divisar movimentos populacionais que não se diluem em pressões, contra pressões ou outros fenómenos de classe.

Se a economia e os fenómenos económicos, que tanto prezo, não se esgotam no nível macro, recorrendo à micro como “pão para a boca”, também a teoria sociológica, neste caso aplicada às migrações e à imigração focada num Estado em particular, não se esgota nas homónimas teorias económicas do equilíbrio do mundo micro e muito menos nas macro estruturas sejam elas assumidas teorias da dependência, teorias do colonialismo interno, quadro de análise centro - periferia, teorias dualistas dos segmentos, acumulação global ou teoria dos enclaves (Trindade, 1995, p. 82).

Abstraindo-me, entretanto, mas devagar, da panóplia das leis da migração e dos factores de push - pull, repulsão – atracção, poderemos pois pensar que o primeiro período, anos 60, princípios dos anos 70, Português, era muito mais a atractividade gerada pelo clima, pela idiossincrasia de um povo e por um espaço sereno, adormecido numa estranha e passadista forma de vida, quase museu vivo, factor singular, fruto de um regime autocrático quase autarcia de seminário.

Os estrangeiros em Portugal eram, assim, no Portugal de 60, segundo Macaísta Malheiros, uma pequeníssima massa adstrita ao comércio, aos serviços, à indústria e à agricultura, filhos menores de um regime anacrónico, pequeno mundo de pequena oligarquia[1], de condicionalismos e de condicionalismo industrial, quase à margem do fulgor do crescente mercado capitalista mundial do após - guerra. O Portugal pouco atractivo, fechado, teria de esperar pelo sinal Salazarento do “para Angola e em força!” para gerar alguma atractividade. No jargão histórico estrutural que nos interessa, uma espécie de Imperialismo externo e interno, forma superior do Capitalismo[2] - repulsão do espaço inerte, migração para as colónias e fuga emigratória do exército de reserva continental, por imposição da guerra, em catadupas.[3] [4]Assim, a expressão das desigualdades dos Estados - Nações, geraria um contra fenómeno interno desse Portugal pluri – continental. O intenso exército de reserva, passível de ser gerado pela crise de expansão do capitalismo mundial, e por modificações na organização do sector produtivo, de braço dado com as relações sociais de produção ainda com resquícios quase feudais, motivada pela pouca atractividade de capitais financeiros e humanos, traçou o destino de um país à margem do Take - Off Ocidental de meados do século XX, cuja mobilidade vertical é credora da horizontal, permanecendo até à repulsão gerada pela guerra colonial, quase em “banho – Maria”.

Com a maior abertura induzida pela guerra, os anos entre 60 e 74 do século XX, assistem, assim, a migrações internas no espaço Português, despidas de imigração quantitativa significativa, exceptuando algum volume migratório Cabo – Verdiano, substituto da sangria em direcção a Leste. Periferia dos verdadeiros centros de acumulação, Estado desigual em termos de índices de desenvolvimento humano, vê os economicamente despojados, até de liberdade, rumarem ao centro.[5]

Com o fim da guerra colonial e com a entrada nos anos 80, data de assimilação de um brutal movimento de retorno, assiste-se a uma quase osmose de imigrantes do ex espaço Português, imigrantes esses que se inserem, no masculino, no “explosivo” mercado da construção[6], no feminino, nos serviços de limpeza e nos empregos domésticos. As migrações indocumentadas e o mercado informal, que alimentam muito desse movimento, obrigarão futuramente a legalizações[7]. Face de uma nova atractividade do Portugal democrático como novo pólo de centralidade, ou expressão, através dessa transferência para a ex metrópole, do objecto da exploração, trabalho importado de trabalhadores? Fruto da atrasada entrada de Portugal no mundo dos detentores de meios de produção, através da deslocalização do capitalismo industrial, em novo centro do sistema capitalista e em nova divisão do trabalho e/ou forma de colonialismo interno?[8]

Curioso o ajuste do modelo da teoria dualista do mercado, com a desigualdade da distribuição dos imigrantes e a distinção dos dois segmentos: o primário e o secundário, nesta dualidade entre as motivações negativas dos trabalhadores das áreas para as quais os imigrantes se deslocam[9], migração essa entendida em função dessas oportunidades de trabalho vistas pelos “de Portugal” como desqualificadas e das motivações atractivo – repulsivas dos trabalhadores imigrantes.

A inserção sectorial dos imigrantes asiáticos, predominantemente Chineses, historicamente explicada por alguns laços históricos com a China, difícil de explicar na sua capacidade homogénea de entrada em sectores a necessitar de capital inicial, ainda que reduzida, assume-se como exemplo da teoria dos enclaves económicos, como mera política de Estado expansionista – quase de imitação da era expansionista Nipónica - à procura de “espaços” para cumprimento da sua vocação exportadora universal, cavando e afirmando-se como potência mundial, ou apenas fruto de máfias Asiáticas?[10]

O crescimento evidenciado nos fins da década de noventa trará, com a abertura a Leste propiciada pela queda do(s) Muro(s) e a fragmentação da URSS, novas populações migrantes com baixos níveis internos de rendimento na origem, mas altos níveis de qualificações, que aproveitam um das fases de crescimento real, da economia Portuguesa. Muitos enredados em redes do mercado informal, pela dificuldade do domínio da língua e “trazidos” por redes mafiosas de imigração clandestina, muitos indocumentados, o seu modo de incorporação no mercado de trabalho segue a via dos trabalhos mais desqualificados, de deficientes condições de trabalho. Apesar da dificuldade da língua, de todos os imigrantes são os que mais possibilidades têm de migrar do segmento secundário para o segmento primário[11], teoria dual de afirmação do mercado de trabalho dos países industrializados em sectores dedicados a trabalhadores nacionais ou a mão - de - obra importada.

A atenuação do ritmo de crescimento imigratório de profissionais qualificados deveria, entretanto, ter feito suar campainhas de alarme, sinal de perda de ritmo, estagnação e atractividade para o capital – a qual será confirmada no Portugal de XXI. Seria essa perda de ritmo de crescimento consequência de uma nova globalidade e de Nova Divisão Internacional de Trabalho, fruto de uma deslocalização para as periferias dos “instrumentos” de acumulação, ajudados pela promoção de Portugal ao estatuto de Primeiro – Mundo, ajudado pela integração de Portugal no espaço Euro?

O equilíbrio e a abertura de novos palcos, mais sedutores para a reprodução do capital, fará com que a década assista à “reemigração” e retorno de parte dos contingentes dos ex - imigrantes de Leste, consequência de uma nova centralidade a Leste e da extensa reorganização dos novos mercados, nesta global, nova e complexa ordem económica mundial.

Em resumo: Portugal país desigual, afastado do centro e situado na periferia do processo de acumulação, com o crescimento sustentado Ocidental e a necessidade de nova mão – de – obra, vê-se recentrado no mapa do capitalismo mundial e “colorido” de multinacionais produtivas, de alta intensidade de trabalho, embora de baixo valor acrescentado, à procura de lucros marginais. Os fenómenos migratórios são, assim, contextualizados nessa nova afirmação. O actual recentramento da nova ordem económica mundial, o novo quadro de transformação social afigura-se, por outro lado, como um enorme perigo para a relevância de Portugal, tornado novamente um player de pouca importância, para a atractividade e lucro do capital. Concluindo: elaborado o comentário consolidado, espécie de sedimento e síntese, extirpado q.b. de argumentos de perspectiva de equilíbrio, redes sociais e outros elementos valorativos intermédios totalizadores da realidade, que a custo “me” tentei isolar e desfazer, num quadro conceptual histórico - estrutural muito conectado a uma certa visão do mundo e a quadros amplos de transformação social, a instalação temporal de activos estrangeiros em Portugal, deste destino com especificidades próprias de país pós-colonial e com um ligeiro toque de relações sociais de carácter quase feudal, sujeito da diáspora guestworker, passa de um quadro de uma imigração nos anos 60 com pouco significado quantitativo, diversificado na inserção, para um imigração quantitativamente de maior fôlego ou dimensão. Imigração de substituição daquilo que por similitude com a teoria económica poderíamos designar de efeito mão – de – obra, autóctone, “superior”[12]. Imigração que funciona como substituto – complemento do fenómeno emigratório e de uma maior centralidade desta nossa ex-periferia. A deslocalização de capitais à procura de lucros, torna o continente Português parceiro e pólo da deriva do capitalismo, com as suas multinacionais de mão - de - obra intensiva e baixa componente, na óptica da produtividade, de valor acrescentado. O sistema guestworker assiste ao posicionamento de novos convivas! O défice de activos, fruto de uma nova dimensão económica e infra – estruturação, ascensão vertical de classe dos autóctones, é assim colmatado por uma imigração muito étnica e homogeneamente centrada. Directores e quadros superiores vem, na sua maioria, afirmar o centro na antiga periferia e posicionar-se num país afirmativo nessa nova centralidade mas com manifestos défices de formação – de que é caso paradigmático, pela sua dimensão, o caso dos odontologistas Brasileiros e outros profissionais de saúde. Os anos noventa, com a sua renovação do tecido comercial e do edificado urbano, com evidentes sinais de desaceleração, por uma nova centralidade e atractividade a Leste, juntamente com a atractividade da contínua e sistémica desigualdade a Sul, e dos seus enormes exércitos de reserva de mão - de – obra, assistirá a uma espécie de canto de sereia e turnover de um país com uma sustentabilidade pouco virtuosa.

A década seguinte, a que assistimos, comprova um país que desdenhou reformas estruturais, quase como que centro incubador, momentâneo e fugaz do capitalismo mundial, mais a mais em contexto mundial adverso, com fluxos de imigração muito ligados a redes sociais e a fenómenos decorrentes da globalização e do confronto entre sociedades subdesenvolvidas e de sociedades medianamente industriais e de serviços como a nossa. Reunificações familiares e a atracção por uma sociedade medianamente desenvolvida e com um mercado informal, próprio de migrações indocumentadas, um passado colonial, uma língua comum, um maior desenvolvimento pessoal na origem e a manutenção das linhas de transportes e comunicações de acordo com esse passado colonial, são fenómenos explicativos da continuidade dos fluxos imigratórios para Portugal.

Como passo final deste comentário, gostaria de sinalizar como Portugal se apresenta como um excelente “hospedeiro”, mosaico quase perfeito, dos modelos de abordagem histórico – estrutural, na óptica das migrações em geral e da inserção profissional dos migrantes em particular, dadas as amplas, em curto espaço de tempo, transformações sociais, já que neste espaço – tempo, numa correlação quase perfeita da diversificada parafernália dos modelos histórico – estruturais, perspectivei teoria da dependência, colonialismo interno, centro – periferia, divisão internacional do trabalho, mercado de trabalho dualista, acumulação global, enclaves económicos, …

[1] Fado Português que se tende a replicar!
[2] E como adoro Marx depois de, noutra vida, ter “digerido” das Kapital de fio a pavio.
[3] Maioritariamente para França!
[4] É curioso como a perspectiva histórico – estrutural falha por comparência na explicação da continuação do “crescimento dos trabalhadores pouco qualificados de origem estrangeira”, de determinado segmento étnico, em época de vacas magras! Não lhe era exigido isso, mas fica o sabor a pouco!
[5] Ou aos centros onde se reproduz o valor – trabalho!
[6] Ou da reconstrução!
[7] Caso da regularização de imigrantes ilegais de 2001.
[8] Uma espécie de forma de neo – colonialismo deslocalizado!
[9] O abandono de alguns sectores como o do trabalho doméstico e funções desqualificadas da serventia na construção jogam no sentido de uma maior formação, promoção e especialização dos autóctones Portugueses, bem como no próprio processo de mobilidade e independência no trabalho. Mas jogam, também, no sentido do desenvolvimento e implantação, no processo de deslocalização à procura do lucro, de indústrias e serviços mão - de - obra intensiva que se deslocalizam de países de mão - de - obra e custos de produção mais caros.
[10] Recentes notícias da condecoração pelo Estado Português do sr. Jin Guoping, aparentemente iminente historiador, ligado à fundação Macau, mas condenado por apoio à imigração ilegal, são já parte do anedotário dos constantes lapsos e confusões da democracia Portuguesa.
[11] Ver a inserção de médicos!
[12] Diria que se processa uma espécie de efeito substituição rendimento por parte dos autóctones, neste caso não para bens superiores mas para trabalho - emprego socialmente percepcionado e pago como superior.

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