6.1.07
Espanha S.A.
As empresas portuguesas estão de malas feitas para Espanha. O país vizinho acena com condições fiscais que começam a assemelhar-se às praticadas na Holanda. Uma tendência que se deverá acentuar
O fenómeno ainda mal começou, mas são já muitas as empresas portuguesas que estão de malas aviadas para o país vizinho. De facto, são cada vez mais os bancos, os escritórios de advogados e as firmas de contabilidade que querem passar a sua sede para o país vizinho para evitar a carga fiscal a que estão sujeitas em Portugal.
O movimento é sobretudo sentido no Norte do país e nas zonas fronteiriças, mas não é exclusivo dessas regiões. Faria de Oliveira, presidente do Banco Caixa Geral, do grupo CGD, confirma que “sente-se que Espanha é o mercado prioritário das empresas portuguesas”, e as associações empresariais de diversos sectores não têm dúvidas de que se trata de uma tendência que tem como principal causa a “perseguição” feita aos empresários.
Alguns, os mais pequenos, não querem dar a cara, como se estivessem a cometer uma ilegalidade ao abrir uma empresa noutro país para, legitimamente, fugir à mão demasiado pesada do Fisco. Têm medo de represálias.
Os indicadores do vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Couto dos Santos, ilustram a situação. “Sentimos muito a evolução da Galiza. É impressionante ver a forma como o poder de compra, o nível de vida dos galegos tem subido. Em 2000, o Eurostat dava conta de que a região Norte era a que tinha o produto interno bruto (PIB) «per capita» mais baixo da Europa, e estávamos a cerca de nove pontos da Galiza. Neste momento estamos a 16 ou 17. Mais preocupante ainda é o facto de a confederação de empresários da Galiza já ter avisado que, se o estado das coisas se mantiver (leia-se, o estrangulamento fiscal e a burocracia), cerca de 80 empresas espanholas poderão vir a sair de Portugal e outras 30 empresas recuaram entretanto na sua decisão de vir para o nosso país”.
“Portugal obriga as empresas a sair do país”. Esta é a conclusão a que chega Filipe de Botton, da Logoplaste. “Na Europa, estamos em oito países e é claro que começamos a fazer arbitragem fiscal”. Mas a Logoplaste, que está em Espanha devido à sua estratégia de internacionalização e não por questões relacionadas com o Fisco, não é a única a olhar para o mapa europeu à procura de benefícios fiscais que, na prática, são vantagens competitivas. Botton critica o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Amaral Tomaz. “A tese de competitividade do secretário de Estado é maximizar a taxação para obter mais receitas, mas como não há receitas vai taxar muito sobre zero. Os espanhóis preferem ser menos agressivos e ter receita fiscal e investimento”. Amaral Tomaz admitiu, na II Conferência da Ordem dos Economistas, que “estamos com um diferencial de IVA demasiado elevado em relação a Espanha e a taxa de 21% em Portugal terá de ser transitória”. Mas muitos empresários não acreditam nesta promessa.
Mário Oliveira, um pequeno empresário da área da recolha de resíduos industriais a operar em Viana do Castelo, diz que é porque o IVA a 21% é transitório que está a deslocalizar a sua empresa para Espanha. “O IVA já era transitório quando passou dos 17% para os 19% e viu-se como a transição foi rápida quando subiu mais dois pontos percentuais”, ironiza. A sua empresa não factura mais do que 150 mil euros por ano e, para ele, com uma actividade que vive de “camiões que andam na rua”, o IVA tem um peso fundamental. A nova empresa vai chamar-se Iberlusa e terá a sua sede em Vigo. “No total, incluindo os pagamentos à empresa de contabilidade que me tratou de tudo, despesas com a papelada, registo da nova empresa, gastei 800 euros e foi um processo muito rápido”, conta Mário Oliveira, que acrescenta que, “como eu, está tudo a fugir para Espanha”. Em Portugal já não tem empregados, e os que vai contratar, dez motoristas e quatro administrativos, são espanhóis. “Lá, o salário mínimo é mais elevado, mas inclui Segurança Social, seguros, etc., quando em Portugal é tudo pago à parte”, diz.
A rapidez das decisões, as regras mais claras e a ausência de burocracia constituem outros motivos que levam os empresários a querer trocar Portugal por Espanha.
Carlos Moreira da Silva, presidente da BA Vidros, empresa que vende dois terços do que produz no mercado Ibérico em Espanha, onde tem 600 empregados, diz que não gosta de fazer a comparação directa, “mas este é um excelente exemplo de atracção de investimento estrangeiro. E o melhor é que não há burocratas a complicar licenciamentos ou autorizações”. E lembra que, em Avintes, chegaram a ter uma fábrica já a funcionar e continuavam sem contrato. “Em Espanha, por outro lado, quando precisamos de ajuda, depois de justificada, dão-nos o dinheiro à cabeça e depois nós é que temos que mostrar que o aplicámos bem”.
Silva Rodrigues, presidente da Sotancro e concorrente da BA, é da mesma opinião. “Há uma coisa que sentimos em Espanha, é que do ponto de vista da captação de investimento são extremamente operacionais. Quando precisamos de uma máquina, apresentamos a proposta e, em pouco tempo, temos a resposta. Compramos, apresentamos factura, fazem vistoria e pagam (até 40%). Em Portugal são anos de PRIME e PEDIP e outros programas comunitários de apoio ao investimento que nunca mais chegam ao fim”.
Mas para Moreira da Silva ainda há outra razão para domiciliar em Espanha. “Se a BA vier a comprar uma fábrica em qualquer parte do mundo, fá-lo-ei sempre através de Espanha, e só sendo distraído se compra através de Portugal. Porquê? O «goodwill» em Portugal é um custo fiscal, em Espanha é um investimento”. Por outras palavras, quando a BA comprou a Vileza em Espanha por 47 milhões de euros poupou 7 milhões de euros, valor que em Portugal teria ido direito para os cofres do Estado sob a forma de imposto.
É por isso que o presidente da Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas, Augusto Morais, diz que “o Estado corrói a capacidade de os empresários se modernizarem”. Para este responsável, a solução passa, antes de mais, pela “democratização dos políticos. Enquanto ela não for feita, são o comércio e a indústria quem vai pagar a factura”.
Moreira da Silva vai mais longe e diz que este fenómeno era uma inevitabilidade. “A economia portuguesa está doente”, afirma. “Nós somos 10 milhões de tesos e eles são 42 milhões com dinheiro. A economia espanhola está a crescer 4% ao ano, e eles têm um poder de compra pelo menos quatro vezes superior ao português. Na economia ibérica, 20% é português e 80% é espanhol”.
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