terça-feira, 26 de junho de 2012

VALE A PENA LER ESTA CARTA ENCONTRADA NUM COMENTÁRIO DO FACEBOOK DE PPC

«Paulo Borges Nunes Sempre fui muito melhor a exprimir-me oralmente do que a escrever. Mas sou um cidadão anónimo sem tempo de antena, e tanta gente com tempo de antena a falar de desemprego sem saber do que fala. Só queria ter uns minutos de tempo de antena para poder transmitir a todos o que é estar desempregado e o que se está a passar com os desempregados.

Alguém diz que o “desemprego é uma oportunidade”
Sim uma oportunidade para saber como é ser um cidadão privado de:
Opinião, escolha, livre circulação, no fundo sem dignidade. Sou tratado como um arguido, com apresentações periódicas ás autoridades, sem autorização para ir ali a Espanha comprar caramelos…

Como sabem, o estado anunciou o encerramento das novas oportunidades. Sim porque têm um programa de formação muito melhor. Assim foi anunciado que todos os desempregados acima dos quarenta e cinco anos e sem o 12ª ano, seriam chamados para formação “Vida Ativa”. Até porque para o estado os desempregados são trabalhadores desqualificados, sem qualquer formação.

E aqui vou eu, a caminho da minha formação, rumo à Reboleira.
Na passada sexta-feira recebi por volta das 17h00 um telegrama, até pensava que esta forma de comunicar já não existia, mas lá estava no fundo da minha caixa de correio. Teria de me apresentar no centro de Emprego na segunda-feira. Assim o fiz, e nem sei como descrever esta experiência. Surreal, inacreditável, anedótica? O pátio estava cheio e a chuva miudinha caia incessantemente. Os rostos fechados denunciavam a tristeza na alma. Debaixo de um pequeno telheiro, abrigados da chuva, encontravam-se homens e mulheres, todos acima dos 45 anos e todos diferentes. O grupo era bastante heterogéneo. Depois da habitual espera, que em Portugal ultrapassa o razoável, alguém assomou a uma porta e perguntou em voz alta “è para a Vida activa? Acompanhem-me”. O grupo seguiu como um obediente rebanho. Depois de separados, fomos colocados em várias salas. Com um ar muito profissional, uma senhora, distribuía uma montanha de papeis e num tom de comando informou que estávamos ali para iniciar um curso de formação que se iniciaria na quarta-feira seguinte das 20h00 ás 23h00 e com uma duração de 150 horas. Não havia opção de escolha. A folha a cores mostrava que tínhamos opção de escolha entre 3 cursos. Puro engano, as três opções de escolha eram praticamente a mesma coisa. Constatei que teria formação em Inglês iniciação e computador básico ( Word, excel e Powerpoin tudo iniciação) e se não escolhe-se em cinco minutos teria a opção de assinar uma declaração que a referida senhora mostrava com ar ameaçador. Fiquei perplexo, mas ninguém sabe a formação que tenho? E estando desempregado, porque um curso pós-laboral? E não poderia escolher outro curso? Não tenho direito a opinião? A escolha? Não. Esta é a oportunidade que o estado me dá para me sentir um cidadão privado dos direitos básicos. É verdade, estou desempregado, mas trabalhei uma vida inteira, paguei SEMPRE, a tempo e horas os meus impostos, fui um cidadão activo, participativo, voluntário, o subsídio de desemprego, não é uma esmola, é um direito consagrado na lei. Não quero estar sem emprego, mas quero ser tratado como qualquer cidadão, com dignidade, respeito.

“Desempregados em curso pós laboral” parece um título dos Gatos Fedorentos.

Parece-me bem esta oportunidade, vir fazer um curso que não me serve para nada, privando-me do convívio da minha família, o meu porto seguro. Sim porque deixei de ver a família. Não bastava estar desempregado e ainda tenho a oportunidade de não conviver com a minha família.

São 19h45 e chego ao centro de emprego. Reboleira, zona industrial, feia, o edifício do centro de Emprego, numa esquina é tal como o desemprego, deprimente. Estão a sair centenas de jovens que acabaram a formação (de dia) e que não sei se também vão ser despedidos, tal como o projecto as novas oportunidades. Os que chegam, mais velhos (acima dos 45) não são gente, são farrapos humanos, obrigados a ali estarem e tratados como… arrancados à força das famílias, daqueles que os apoiam neste momento difícil das suas vidas. Não há amor-próprio, os olhos não saem do chão, e quando o fazem o seu vazio é assustador. O barulho do silêncio é ensurdecedor, a dor a raiva, a indignação ouvem-se mesmo no silêncio, na face, na expressão corporal.

Vê-se de tudo, Soldadores, bate-chapas, Orçamentistas, secretárias de direcção O centro de Emprego, que na certa têm muito trabalho, carregou no botão e chamou toda a gente acima dos 45 anos independentemente de conhecimentos, formação…. São todos desqualificados, mão-de-obra barata e é por isso que estão desempregados, relembra o Estado. Pura mentira. Dai a oportunidade. O desemprego é uma oportunidade para os desempregados deixarem de ser uma corja de malandros desqualificados, se tornarem cidadãos como os outros.

Sabem, os desempregados não têm sindicato, ninguém que os defenda, as televisões adoram os desempregados para imagens deprimentes de grandes filas nos centros de emprego, explorar a desgraça das famílias ou prefere analisar por números percentagens.
Mas a verdade é que ninguém parece importar-se realmente com mais de 800 mil desempregados.

Curioso neste curso é saber que o Centro de Emprego (representante do estado) promove a precariedade no emprego, contratando formadores a recibo verde.
Já alguém se questionou do trabalho do Centro de Emprego, tipo custo-resultado.
Então se não há dinheiro para continuar “as novas oportunidades”, há dinheiro para colocar desempregados em cursos pós laboral em que metade das pessoas não vão aprender mais que sabem, ou melhor, não vão ficar mais capazes para arranjar emprego.
Curioso é que estão cá muitas pessoas à beira da reforma, e vamos formar esta gente para que mercado de trabalho?

Sinto-me mal, revoltado, injustiçado, hiper indignado mas impotente, não por ter feito algo de mal, de errado, apenas e só porque estou desempregado, mas não sou desempregado.

Há coisas que não se entendem, e mostram que estamos na mesma. Continuaras a querer parecer em vez de ser, e este curso deve servir para parecer à Europa que estamos a formar e preparar muita gente. As estatísticas estão para os políticos como as jóias estão para as mulheres. São os melhores amigos. A verdade é que enquanto estamos em “formação” não contamos para os números do desemprego. Temos um Pais pobre com um patrão rico (o estado) que paga a desempregados e dá-lhes formação ridícula. Isto é como pegarmos em alunos do 10 ano 11 ano e juntar com alunos do 6 ano ou quarta classe e tratar todos como se tivessem o mesmo conhecimento.

Este texto nasce no contexto deste curso. Introdução ao Word, um programa que trabalho á mais de 10 anos, com muita frequência. Também já tive aulas de Inglês, língua que domino desde pequeno, até pelo facto de ter nascido na Ilha Terceira (Base das lajes) Açores. Também me vão dar formação em Excel e Powerpoint.

Respeito, é só isso que queremos e trabalho.

Continuamos com políticas de fantasia.

Isto é Portugal, um Pais de oportunidades, até no desemprego.»

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