quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

PARA ACABAR O ANO:
UM SONHO DE UTOPIA!

Lord’s of Utopia, ou os senhores de nenhum lugar! Feliz o tema, a utopia, o corte epistemológico como salto para um outro patamar, de uma suprema human hapiness porque para mim, para More e para os Utopians é pelo “sonho”[1] que vamos!
Feliz, também, porque acabava de postar em blog meu (CausaVossa, 2008)[2], em forma de curta recensão, denominado (mudam-se os tempos, mantêm-se os vícios): “Ao ler More, Thomas, enunciar que uma sociedade estruturada hierarquicamente não pode constituir um commonwealth virtuoso já que em todas as hierarquias, são sempre os piores que ganham poder e o usam em benefício próprio … para além da existência das hierarquias encorajar o orgulho, que é o pior dos vícios, já que destrói todo o sentido de justiça e equidade, pergunto-me: afinal estamos assim tão perto de 1535?”. E não resisto à transcrição da continuação em forma de discurso directo, entre Thomas e uma incógnita figura, possível arquétipo dos tempos[3]: ”(T.M.) O orgulho é “tramado”[4], vicia e inebria, dá-nos uma falsa sensação de superioridade sobre os outros, de imparidade, tão inteiramente ignorante e mesquinho de gente fraca! (P.S.) Mas e as hierarquias? (T.M.) As hierarquias têm de ser hierarquias paritárias de verdadeira superioridade moral e humanitária! Tudo o resto não são hierarquias, são orgulho de poder em comprimido! (P.S.) Mas desconfio tanto dos moralistas! (T.M.) Desconfias, desconfias porque verdadeiramente só conheces...os falsos moralistas!”
Tão longe, embora ainda tão perto, que começamos a estar da Wergild e do comunitarismo “kinshipariano” Anglo-Saxónico, desta solidariedade na adversidade do mundo fechado e imóvel, espécie de confiança e segurança “intra-uterina”, quando se começa a questionar o course of the Sun, a moral philosophy, a nature of the good, a virtude, ou a “promover” o misticismo, a individualidade, o prazer e a felicidade humana ou tão simplesmente o calcorrear por caminhos mais distantes onde perpassam influências e texturas[5] anteriormente ausentes!
Tão longe, embora ainda tão perto, que começamos a estar do mundo geocêntrico, imobilista, tradicional, postuladamente hierarquizado, cosmológica e religiosamente “fadado” e alinhado, em algo que Giddens define como o mundo do pensamento “contra-factual”[6] (Faria, 1996, p. 122).
E o que dizer das condições de resistência ao potencial destruidor do mundo físico (Faria, 1996, p. 124) e a atitude, ainda iniciática é certo, mas mais activa do entendimento do risco e do reconhecimento e enfrentamento da sua existência?[7]
Um mundo onde as opções existenciais e racionais parecem querer tomar forma, sob o manto das novas descobertas geográficas, da difusão da imprensa, dos novos legados filológicos, astronómicos, geográficos – cartográficos, anatómicos[8] e linguísticos, um mundo optativo, afirmativo, corte epistemológico de um mundo passivo, fisicamente aristotélico e filosoficamente escolástico. Giordano Bruno, Képler, Leonardo, Galileu, Erasmo, fazem parte desse novo mundo, desse early modern, interessado, sonhador, dialéctico! Se o crescimento “silencioso da ciência começa a reformar praticamente a nossa mentalidade” (Faria, 1996, p. 239), não são o Renascimento, o Humanismo tout court e pedagógico, e a Reforma (ou as reformas! com a sua especificidade insular), mudança de agulha de uma nova epistemologia[9] existencial?
Casa de Wessex, Casa da Dinamarca, Casa da Dinamarca 1ª usurpação, Casa de Wessex 1ª Restauração, Casa da Dinamarca 2ª Usurpação, Casa de Wessex 2ª Restauração, Dinastia Normanda, Plantagenetas[10], nova deposição e a rosa vermelha da casa de Lancaster, a interposição da Rosa Branca da Casa de York, nova deposição da de Lancaster, novo regresso deposição da rosa de York e finalmente[11] as duas cores da rosa dos Tudor e Eduardo VIII, trono em 1509, 44º rei Inglês, “edificado” sobre a tutoria construtora e anti-clerical de John Skelton, senhor de soberania[12], contemporâneo das religiosas cisões e reflexões, do absolutismo real como forma de poder, do híbrido Anglicano, do descrédito do direito romano e da elevação do common law, bom ou mau leitor da obra de Maquiavel, Príncipe e viúvo, à força ou consentido, de pelo menos seis mártires mulheres, exaurador de súbditos[13], contemporâneo e conterrâneo de More e influenciado leitor, enviesado embora, do De officio regis de Wycliffe e do seu braço influenciador protestante e autonómico nacionalista, mas simultânea e socialmente ameaçador Lollardiano. O Book of Martyrs de John Foxe bem como a Supplication for the Beggars, pomo de discórdia entre dois estados, o povo e o clero, um congregatio fidelium, ameaça “por tabela” da autoridade real.
Se sobre as grandes alterações epistemológicas no que poderíamos chamar de período “Early Modern Changes”, parecem chegar as hipóteses explicativas do mix religião, ciência, mundovisão, difusão, recentremo-nos novamente na relevância de um dos actores, Thomas, e na sua Utopia, fruto e flor de outras reflexões do lugar de cada homem no mundo e da relação com os outros, ascensão do poder temporal em detrimento do espiritual, consolidação de Estados e relação de soberanias, naquilo que começa a tomar forma como a sociedade mundial, relação de soberanias tão do agrado de um actor reflector de outros espaços futuros, nosso, de seu nome Adriano Moreira!
Orgia literária, admirável e perigoso mundo novo[14] em dois volumes, respostas (a livro II, da sociedade perfeita) para as perguntas das interrogações – males ou inquietações discorridos no livro I, a De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia, ou sobre o melhor estado de uma república ou sobre a nova ilha Utopia a 2 volumes, é resultado de uma espécie de ambiente - bolo alimentar dos múltiplos ingredientes supra aduzidos, aditados ou condimentados por um absolutismo tirano, em deriva, de uma sociedade aparentemente quase distópica[15] e dual em busca de definição religiosa própria, uma sociedade onde Thomas “passeia” o seu English Character, exercendo e exibindo com mestria a complexidade do seu contra-factual. Mas a reforma Henriquina foi demais para More: muito sob o signo do homónimo Thomas, Cromwell, reformation parliament, act of restraint of appeals, act for the submission of the Clergy, irreversibilidade da secularização do estado, Act in Restraint of Appeals to Rome e os fatídicos e finais actos constitucionais (para More) Act of Succession e Supremacy, abriu não só o cesto para a “saída” da Church of England, como encerrou pelo carrasco a cabeça de Saint Thomas More, amigo da virtude, inimigo da injustiça, da submissão do clero ou da desautorização do Papa ao rei.
Fica em conclusão e jeito final deste, para alguns, socialista avant la lettre, para outros tão só a afirmação dos ideais do humanismo cristão como orientador moral da conduta quotidiana, a utopia de uma organização política democrática, de uma sociedade ou orgânica social impoluta e partilhada, das críticas parcelares às enclosures, aos oligopólios, à rejeição da ética das razões de Estado, à virtude como única nobreza. Fica também, para si próprio, que Utopia é irrealizável nalguns pontos mas implementável noutros, ou parafraseando Mateus (na mensagem que passa várias vezes Hitlodeu – More) (Silva, 2000) “O que vos digo em voz baixa e ao ouvido, pregai-o em voz alta e abertamente”, sendo a seriedade das suas propostas retomadas no futuro por outros, na forma da New Atlantis de Francis Bacon, nas viagens de Gulliver de J. Swift, ou Robinson Crusoe de Defoe e na definição de novas ideologias. Last but not the least, o mundo caminha agora, assim, levado “ao colo” pela reflexão e materialização terrena de utopias de homens como Thomas More, por novas concepções sobre o universo e a natureza humana, pela descoberta de novos horizontes da ciência, do espaço, tempo e espaços geográficos, alicerçado em novas convicções religiosas, reflexões e coordenadas do lugar do homem e da sua relação com o mundo.
[1] Sonho: “Utopia”, espaço de nenhum lugar! O sonho a assumir a dimensão do verdadeiro e diário corte epistemológico com a realidade!
[2] Causavossa.blogspot.com, onde se procura “dissecar em camadas” o que é nosso!
[3] Racional descendente de Hitlodeu “o Luso”, onde abunda o hythlos e o daios, o oco e a esperteza, acompanhante de Vespúcio, Filósofo, viajante, humanista? … conhecedor das realidades humanas? … em “linha recta ou curva - torcida”? Crítica só da sociedade Inglesa?
[4] Termo alterado, por elegância, da minha postagem original.
[5] Termo feliz porque rima nesta passagem para a modernidade da vida humana com … delicadeza!
[6] O mundo do “contra factos não há argumentos”!
[7] Ou já não andasse Magalhães e Vespúcio, no tempo de More, a “cavalgar ondas” e a enfrentar os Adamastores; e ao comentário de More da distinção dos dois planos e do uso da razão “… to find governments wisely established and sensibly ruled is not so easy.” (Faria, 1996, p. 242)
[8] Excelente o nome da obra - atlas humano de Vesalius “De corporis humani fabrica”, fábrica de corpos e não de almas.
[9] Ou de um novo rumo ou atitude existencial mais activa, “global”, individual e centralizado.
[10] E a Carta “Grande”, Magna de seu nome, do Príncipe sem terra!
[11] Fazendo jus à máxima, “se não os podes vencer junta-te a eles!”.
[12] Esse poder que não reconhece igual na ordem interna ou superior na externa!
[13] Thomas More e Miladies à mistura, entre muitos outros!
[14] Admirável e elucidativo “o admirável comentário sobre Utopia” da autoria de Uiran Silva!
[15] Embora só com Stuart Mill o termo distópico seja usado, não seria o seu antónimo usado como um desejo reflexo de uma sociedade e de tempos perigosamente duais e claustrofóbicos?

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