Vale a pena, como leitura de fim de semana, ler estas reflexões de Vítor Bento sobre o que nos espera, o "ser ou não ser" da nossa condição de "endividados", da cigarra que sempre se opôs à formiga Germânica (e às outras do Norte da Europa).
«Nas conversas que por aí andam sobre a dívida portuguesa, os mercados, os especuladores e a possível “vinda do FMI”, há muita emoção, mas pouca razão. Tentemos analisar o que está em jogo (numa série de 3 posts):
1. Porque sobem os juros?
A explicação óbvia é porque sobe a percepção do risco da dívida portuguesa. Ou, dito de outra maneira, porque “o mercado” atribui uma probabilidade crescente de que Portugal não seja capaz de pagar integralmente a sua dívida nos prazos devidos. E que, se não for capaz de o fazer, terá que reestruturar a dívida, aumentando os prazos de vencimento, reduzindo os cupões e/ou pagando apenas uma parte do empréstimo (i.e. aplicando um “haircut”).
Se qualquer desses eventos se vier a materializar, os detentores da dívida portuguesa registarão um prejuízo. Para aceitarem correr o risco de se confrontarem com esse prejuízo, os investidores pedem uma taxa de juro mais elevada (um prémio de risco): é uma forma de se compensarem (antecipadamente) da possível perda.
É um exagero pensar em tal eventualidade, dir-se-á, porque Portugal (sobretudo com a Europa por detrás) nunca deixará de honrar os seus compromissos. Bom, mas aqui entramos no campo subjectivo das convicções de cada um. E o que “o mercado” indica é que há mais gente – pelo menos de entre a gente que investe – a partilhar a primeira convicção (a do risco) do que há a partilhar a segunda (a da ausência de risco).
Sendo assim, a melhor forma de contrariar os efeitos da primeira convicção é os que partilham a segunda colocarem o seu dinheiro ao serviço da convicção e comprarem dívida portuguesa com juros mais baixos. Não o fazendo, ficamos apenas com um confronto entre acções (dos primeiros) e intenções (dos segundos), de que prevalece, obviamente, o efeito daquelas.
Mas os primeiros a perder com a subida das taxas de juro são os detentores das obrigações já emitidas. Como se sabe, para obrigações com cupão fixo, o preço (no mercado secundário) varia no sentido inverso ao sentido de variação das taxas de remuneração implícitas na negociação desses títulos (as yields). Deste modo, quando estas taxas sobem, o preço das obrigações desce (ou vice-versa). Por exemplo, quem comprou, em Fevereiro de 2010, OT a 10 anos, com um cupão de 4.8%, está hoje a perder cerca de 15% do valor que investiu (o preço actual destas obrigações, com a yield à volta dos 7%, situar-se-á em cerca de 85% do valor facial). O que significa que não há quem as queira comprar por mais do que esse valor (talvez por não acreditar que alguma vez venha a receber mais). E se, a esse preço, há quem as venda é porque receia vir a perder mais do que já perdeu.
2. O papel dos “especuladores”
A avaliar pelo que é por aí dito, parece existir a convicção de que Portugal está a ser atacado por especuladores. Já ouvi mesmo dizer que estes estão a exercer um saque sobre as finanças públicas portuguesas. Mas então o que fazem os “especuladores”? Como se processa esse ataque? Basicamente, não nos querem emprestar dinheiro (o que, convenhamos, é uma forma muito soft de atacar alguém). E porque é que não querem emprestar? Tentemos perceber.
Portugal tem um elevado volume de dívida pública (a caminho dos 90% do PIB, tendo aumentado muito rapidamente e prevendo-se que continue a aumentar) e uma (baixíssima) perspectiva de crescimento económico que, vistos em conjunto e a manter-se essa combinação, aponta para que, “tecnicamente”, Portugal não seja capaz de pagar integralmente a sua dívida (i.e. a dinâmica do rácio entre a dívida e o PIB converge para infinito, sendo, portanto, insustentável). Grosso modo e muito simplificadamente, para que a dívida seja sustentável, o País precisa de reduzir o défice (sem juros, i.e., o “défice primário) e que a taxa de juro que paga pela dívida não exceda a taxa de crescimento nominal da economia.
Como as perspectivas de crescimento dificilmente conseguirão superar os 4% (nominais) nos tempos mais próximos (perspectiva optimista), Portugal precisaria que a taxa de juro que paga pelos empréstimos não excedesse os 4%. E, mesmo assim, terá que reduzir o défice primário em cerca de 7% do PIB (face ao valor de 2009). Ora, uma redução do défice desta dimensão tem inevitavelmente, e no imediato, um efeito contraccionista sobre a economia (como mostram as recentes previsões do BdP), suscitando dúvidas se 4% de juros seriam suficientes para garantir a sustentabilidade da dívida.
Portanto, o caminho da sustentabilidade é estreitíssimo e incerto e é natural que poucos estejam dispostos a apostar no seu sucesso: haverá os que acreditam, os que duvidam e os “agnósticos”. Os primeiros poderiam estar dispostos a emprestar a taxas baixas, os segundos, ou não emprestam de todo ou só emprestam com um elevado prémio de risco, e os terceiros tenderão, pelo seguro, a alinhar com os segundos. Como se viu da explicação do ponto anterior, os crentes deverão ser em muito menor número do que os outros (ou, pelo menos, terão menos dinheiro para investir) e por isso as taxas vão subindo. Só que, tendo o Estado que pagar taxas mais elevadas, a dívida torna-se mais insustentável (e não menos como era necessário), aumentando o prémio de risco necessário para a comprar. Para assegurar a sustentabilidade, a redução do défice terá que ser ainda mais violenta. Só que isso aumenta a necessária contracção da economia e faz subir o prémio de risco… Ou seja, está criada uma “espiral infernal” que é fácil de ver para onde converge e que, naturalmente, afasta os investidores.
Uma tal espiral só se conseguirá travar saindo do mercado e “fixando” os custos de financiamento durante um período razoável, enquanto o País se concentra nos ajustamentos que tem que fazer às finanças públicas e à economia – 2 anos, pelo menos.
Mas não há especulação “mais activa”, como o short selling?
Há certamente. Através do short selling, alguém vende OT que não tem (pedindo-as emprestadas), na expectativa de as vir a recomprar mais baratas, ganhando a diferença. É uma operação especulativa pura e, como tal, tanto pode resultar em ganho, como em perda. Resultará em ganho se as yields continuarem a subir (baixando o preço das OT) e em perda se acontecer o contrário.
É provável que a própria operação de short selling alimente a expectativa de subida das yields e, dessa forma, se favoreça a si própria. Mas, de qualquer forma, só tem sucesso na medida em que não há ninguém que queira comprar as obrigações portuguesas às taxas actuais (ou, pelo menos, não haverá compradores suficientes para absorver toda a oferta). E não há compradores porque todos os potenciais compradores estão conscientes da “espiral infernal” que já referi. Porém, a ausência de compradores favorece o sucesso da especulação acabando por agravar a “espiral infernal” e por deixar as autoridades cada vez mais impotentes para virar a situação. Mas, insisto, este tipo de especulação contra a dívida só tem sucesso porque não há quem esteja disposto a apostar na sua sustentabilidade.
Mais uma vez, só travando “administrativamente” a “espiral” (como já expliquei) será possível ganhar controlo sobre a situação (ainda que não acabe imediatamente com a especulação como se verá mais adiante).
3. O papão do FMI
A questão mais emocional das discussões sobre esta temática, é o envolvimento do FMI. Vamos tentar perceber porquê.
a) Porque virá o FMI?
O FMI não virá de moto próprio, nem será o nosso principal interlocutor, no caso de um eventual recurso à ajuda externa. O pedido de ajuda, a acontecer, será dirigido ao Fundo de Emergência Europeia e o FMI só intervirá como co-financiador dessa ajuda e como “assessor técnico” da Comissão Europeia.
b) O FMI imporá uma austeridade mais violenta?
As medidas que, eventualmente, o FMI venha a recomendar não serão, nem mais nem menos, do que as consideradas necessárias para controlar a situação. Se forem mais “violentas” do que as que já estão a ser aplicadas, é apenas porque estas não estão a ser suficientes para o efeito. E se não estão a ser suficientes, medidas mais violentas seriam sempre necessárias, com ou sem FMI.
c) Então porque não tomar as medidas sozinhos (dispensando o FMI)?
A diferença fundamental não está nas medidas que, de facto, não precisariam do FMI para nada. Está no acesso e nas condições do financiamento necessário para cobrir o tempo requerido para a sua aplicação e para que produzam resultados visíveis e convincentes (nunca menos de 1 ano).
Fazê-lo sozinho implica continuar a lutar com os mercados e a ver subir o custo de financiamento (continuando a alimentar a “espiral infernal” e as suas consequências). Recorrer à ajuda europeia, significa fixar os custos do financiamento (e dispor das quantidades necessárias) durante uns dois anos, deixando os mercados de lado. É esta a grande diferença que está em jogo.
d) Mas, apesar da intervenção do FMI, as taxas não continuaram a subir na Grécia e na Irlanda. Então para que serve a intervenção?
As taxas continuam a subir… no mercado secundário! Mas já não afectam o custo do financiamento (que ficou garantido pelo auxílio europeu). É natural que as taxas (do mercado secundário) continuem a subir porque, até haver sinais claros de que estes países não terão que reestruturar a sua dívida (e por enquanto não os há, nem deverá haver tão depressa), haverá muito pouca gente disponível para a comprar, ao mesmo tempo que haverá sempre mais gente a querer vendê-la (nem que seja por razões especulativas, como já foi explicado).
Será, por isso, necessário correr um ano ou dois para que os resultados dos programas de ajustamento destes países – se forem suficientemente convincentes – possam começar a influenciar o sentimento “do mercado”. Tendo ainda em conta, acrescidamente, que todas as incertezas que pairam sobre o futuro da zona euro não são de molde a favorecer a confiança (mantendo os riscos sistémicos muito elevados).
e) Mas as taxas a que o auxílio europeu está a ser dado não alimentam, elas próprias, a insustentabilidade da dívida dos países ajudados?
Sim, alimentam! E esta é a principal vulnerabilidade de toda a arquitectura europeia que está a lidar (?) com esta crise. O que também contribui para que as taxas do mercado secundário não baixem e para favorecer a convicção de que as reestruturações de dívida são inevitáveis.
São melhores, apesar de tudo, do que as do financiamento obtido no mercado, mas são superiores às necessárias para assegurar sustentabilidade financeira, a menos que os países ajudados passem a registar excedentes primários. Só que… para além do esforço social exigido para o conseguirem, quando estes países passarem a ter excedentes primários passam a ter um incentivo racionalmente muito forte para deixarem de pagar a dívida (fazerem default): com excedente primário já só precisam de se endividar para pagar juros, pelo que, deixando de os pagar, deixam também de precisar de se endividar…
Portanto, a ajuda proporcionada nesses termos é um forte alimento da expectativa da inevitabilidade da reestruturação das dívidas. Erro muito grave das autoridades europeias, que, se não for corrigido, não será difícil fazer adivinhar a que desenlace conduz.
f) Mas, fazendo todo este esforço de ajustamento, podemos ao menos ter a certeza de que o problema será ultrapassado?
Não, não podemos. O número de instrumentos de que dispomos para lidar com esta situação é muito limitado, cingindo-se praticamente apenas à austeridade orçamental (para tentar tornar a dívida sustentável) e às reformas estruturais (para aumentar a produtividade a médio prazo). Enquanto o número de variáveis que não controlamos é muitíssimo maior e muito poderosas. Ao mesmo tempo que lidamos com problemas sistémicos, cujas ramificações também não podemos controlar.
g) Sendo assim, para quê fazer o ajustamento; porque não desistir e ver o que acontece?
Porque se, de um lado, não sabemos se o tratamento resolve o problema, sabemos que, pelo menos, lhe pode diminuir a intensidade, do outro, sabemos que, sem ajustamento, o problema se agrava e as consequências (nomeadamente sociais) serão muito maiores. É um pouco, por exemplo, como um doente a quem é diagnosticado um cancro: sabe que, se fizer quimioterapia, não tem garantias de cura, mas melhora as suas probabilidades de sobrevivência, enquanto que, se não fizer o tratamento, sabe que estará condenado (salvo a ocorrência de um milagre).
h) E não há alternativa?
Há, como alguns já recomendam: fazer o default da dívida e sair do euro… Há quem acredite que os custos seriam menores. Mas a análise dessa alternativa, e a avaliação dos seus custos, já transcende o objectivo desta série e seria demorada. Ficará para outra ocasião.
«Nas conversas que por aí andam sobre a dívida portuguesa, os mercados, os especuladores e a possível “vinda do FMI”, há muita emoção, mas pouca razão. Tentemos analisar o que está em jogo (numa série de 3 posts):
1. Porque sobem os juros?
A explicação óbvia é porque sobe a percepção do risco da dívida portuguesa. Ou, dito de outra maneira, porque “o mercado” atribui uma probabilidade crescente de que Portugal não seja capaz de pagar integralmente a sua dívida nos prazos devidos. E que, se não for capaz de o fazer, terá que reestruturar a dívida, aumentando os prazos de vencimento, reduzindo os cupões e/ou pagando apenas uma parte do empréstimo (i.e. aplicando um “haircut”).
Se qualquer desses eventos se vier a materializar, os detentores da dívida portuguesa registarão um prejuízo. Para aceitarem correr o risco de se confrontarem com esse prejuízo, os investidores pedem uma taxa de juro mais elevada (um prémio de risco): é uma forma de se compensarem (antecipadamente) da possível perda.
É um exagero pensar em tal eventualidade, dir-se-á, porque Portugal (sobretudo com a Europa por detrás) nunca deixará de honrar os seus compromissos. Bom, mas aqui entramos no campo subjectivo das convicções de cada um. E o que “o mercado” indica é que há mais gente – pelo menos de entre a gente que investe – a partilhar a primeira convicção (a do risco) do que há a partilhar a segunda (a da ausência de risco).
Sendo assim, a melhor forma de contrariar os efeitos da primeira convicção é os que partilham a segunda colocarem o seu dinheiro ao serviço da convicção e comprarem dívida portuguesa com juros mais baixos. Não o fazendo, ficamos apenas com um confronto entre acções (dos primeiros) e intenções (dos segundos), de que prevalece, obviamente, o efeito daquelas.
Mas os primeiros a perder com a subida das taxas de juro são os detentores das obrigações já emitidas. Como se sabe, para obrigações com cupão fixo, o preço (no mercado secundário) varia no sentido inverso ao sentido de variação das taxas de remuneração implícitas na negociação desses títulos (as yields). Deste modo, quando estas taxas sobem, o preço das obrigações desce (ou vice-versa). Por exemplo, quem comprou, em Fevereiro de 2010, OT a 10 anos, com um cupão de 4.8%, está hoje a perder cerca de 15% do valor que investiu (o preço actual destas obrigações, com a yield à volta dos 7%, situar-se-á em cerca de 85% do valor facial). O que significa que não há quem as queira comprar por mais do que esse valor (talvez por não acreditar que alguma vez venha a receber mais). E se, a esse preço, há quem as venda é porque receia vir a perder mais do que já perdeu.
2. O papel dos “especuladores”
A avaliar pelo que é por aí dito, parece existir a convicção de que Portugal está a ser atacado por especuladores. Já ouvi mesmo dizer que estes estão a exercer um saque sobre as finanças públicas portuguesas. Mas então o que fazem os “especuladores”? Como se processa esse ataque? Basicamente, não nos querem emprestar dinheiro (o que, convenhamos, é uma forma muito soft de atacar alguém). E porque é que não querem emprestar? Tentemos perceber.
Portugal tem um elevado volume de dívida pública (a caminho dos 90% do PIB, tendo aumentado muito rapidamente e prevendo-se que continue a aumentar) e uma (baixíssima) perspectiva de crescimento económico que, vistos em conjunto e a manter-se essa combinação, aponta para que, “tecnicamente”, Portugal não seja capaz de pagar integralmente a sua dívida (i.e. a dinâmica do rácio entre a dívida e o PIB converge para infinito, sendo, portanto, insustentável). Grosso modo e muito simplificadamente, para que a dívida seja sustentável, o País precisa de reduzir o défice (sem juros, i.e., o “défice primário) e que a taxa de juro que paga pela dívida não exceda a taxa de crescimento nominal da economia.
Como as perspectivas de crescimento dificilmente conseguirão superar os 4% (nominais) nos tempos mais próximos (perspectiva optimista), Portugal precisaria que a taxa de juro que paga pelos empréstimos não excedesse os 4%. E, mesmo assim, terá que reduzir o défice primário em cerca de 7% do PIB (face ao valor de 2009). Ora, uma redução do défice desta dimensão tem inevitavelmente, e no imediato, um efeito contraccionista sobre a economia (como mostram as recentes previsões do BdP), suscitando dúvidas se 4% de juros seriam suficientes para garantir a sustentabilidade da dívida.
Portanto, o caminho da sustentabilidade é estreitíssimo e incerto e é natural que poucos estejam dispostos a apostar no seu sucesso: haverá os que acreditam, os que duvidam e os “agnósticos”. Os primeiros poderiam estar dispostos a emprestar a taxas baixas, os segundos, ou não emprestam de todo ou só emprestam com um elevado prémio de risco, e os terceiros tenderão, pelo seguro, a alinhar com os segundos. Como se viu da explicação do ponto anterior, os crentes deverão ser em muito menor número do que os outros (ou, pelo menos, terão menos dinheiro para investir) e por isso as taxas vão subindo. Só que, tendo o Estado que pagar taxas mais elevadas, a dívida torna-se mais insustentável (e não menos como era necessário), aumentando o prémio de risco necessário para a comprar. Para assegurar a sustentabilidade, a redução do défice terá que ser ainda mais violenta. Só que isso aumenta a necessária contracção da economia e faz subir o prémio de risco… Ou seja, está criada uma “espiral infernal” que é fácil de ver para onde converge e que, naturalmente, afasta os investidores.
Uma tal espiral só se conseguirá travar saindo do mercado e “fixando” os custos de financiamento durante um período razoável, enquanto o País se concentra nos ajustamentos que tem que fazer às finanças públicas e à economia – 2 anos, pelo menos.
Mas não há especulação “mais activa”, como o short selling?
Há certamente. Através do short selling, alguém vende OT que não tem (pedindo-as emprestadas), na expectativa de as vir a recomprar mais baratas, ganhando a diferença. É uma operação especulativa pura e, como tal, tanto pode resultar em ganho, como em perda. Resultará em ganho se as yields continuarem a subir (baixando o preço das OT) e em perda se acontecer o contrário.
É provável que a própria operação de short selling alimente a expectativa de subida das yields e, dessa forma, se favoreça a si própria. Mas, de qualquer forma, só tem sucesso na medida em que não há ninguém que queira comprar as obrigações portuguesas às taxas actuais (ou, pelo menos, não haverá compradores suficientes para absorver toda a oferta). E não há compradores porque todos os potenciais compradores estão conscientes da “espiral infernal” que já referi. Porém, a ausência de compradores favorece o sucesso da especulação acabando por agravar a “espiral infernal” e por deixar as autoridades cada vez mais impotentes para virar a situação. Mas, insisto, este tipo de especulação contra a dívida só tem sucesso porque não há quem esteja disposto a apostar na sua sustentabilidade.
Mais uma vez, só travando “administrativamente” a “espiral” (como já expliquei) será possível ganhar controlo sobre a situação (ainda que não acabe imediatamente com a especulação como se verá mais adiante).
3. O papão do FMI
A questão mais emocional das discussões sobre esta temática, é o envolvimento do FMI. Vamos tentar perceber porquê.
a) Porque virá o FMI?
O FMI não virá de moto próprio, nem será o nosso principal interlocutor, no caso de um eventual recurso à ajuda externa. O pedido de ajuda, a acontecer, será dirigido ao Fundo de Emergência Europeia e o FMI só intervirá como co-financiador dessa ajuda e como “assessor técnico” da Comissão Europeia.
b) O FMI imporá uma austeridade mais violenta?
As medidas que, eventualmente, o FMI venha a recomendar não serão, nem mais nem menos, do que as consideradas necessárias para controlar a situação. Se forem mais “violentas” do que as que já estão a ser aplicadas, é apenas porque estas não estão a ser suficientes para o efeito. E se não estão a ser suficientes, medidas mais violentas seriam sempre necessárias, com ou sem FMI.
c) Então porque não tomar as medidas sozinhos (dispensando o FMI)?
A diferença fundamental não está nas medidas que, de facto, não precisariam do FMI para nada. Está no acesso e nas condições do financiamento necessário para cobrir o tempo requerido para a sua aplicação e para que produzam resultados visíveis e convincentes (nunca menos de 1 ano).
Fazê-lo sozinho implica continuar a lutar com os mercados e a ver subir o custo de financiamento (continuando a alimentar a “espiral infernal” e as suas consequências). Recorrer à ajuda europeia, significa fixar os custos do financiamento (e dispor das quantidades necessárias) durante uns dois anos, deixando os mercados de lado. É esta a grande diferença que está em jogo.
d) Mas, apesar da intervenção do FMI, as taxas não continuaram a subir na Grécia e na Irlanda. Então para que serve a intervenção?
As taxas continuam a subir… no mercado secundário! Mas já não afectam o custo do financiamento (que ficou garantido pelo auxílio europeu). É natural que as taxas (do mercado secundário) continuem a subir porque, até haver sinais claros de que estes países não terão que reestruturar a sua dívida (e por enquanto não os há, nem deverá haver tão depressa), haverá muito pouca gente disponível para a comprar, ao mesmo tempo que haverá sempre mais gente a querer vendê-la (nem que seja por razões especulativas, como já foi explicado).
Será, por isso, necessário correr um ano ou dois para que os resultados dos programas de ajustamento destes países – se forem suficientemente convincentes – possam começar a influenciar o sentimento “do mercado”. Tendo ainda em conta, acrescidamente, que todas as incertezas que pairam sobre o futuro da zona euro não são de molde a favorecer a confiança (mantendo os riscos sistémicos muito elevados).
e) Mas as taxas a que o auxílio europeu está a ser dado não alimentam, elas próprias, a insustentabilidade da dívida dos países ajudados?
Sim, alimentam! E esta é a principal vulnerabilidade de toda a arquitectura europeia que está a lidar (?) com esta crise. O que também contribui para que as taxas do mercado secundário não baixem e para favorecer a convicção de que as reestruturações de dívida são inevitáveis.
São melhores, apesar de tudo, do que as do financiamento obtido no mercado, mas são superiores às necessárias para assegurar sustentabilidade financeira, a menos que os países ajudados passem a registar excedentes primários. Só que… para além do esforço social exigido para o conseguirem, quando estes países passarem a ter excedentes primários passam a ter um incentivo racionalmente muito forte para deixarem de pagar a dívida (fazerem default): com excedente primário já só precisam de se endividar para pagar juros, pelo que, deixando de os pagar, deixam também de precisar de se endividar…
Portanto, a ajuda proporcionada nesses termos é um forte alimento da expectativa da inevitabilidade da reestruturação das dívidas. Erro muito grave das autoridades europeias, que, se não for corrigido, não será difícil fazer adivinhar a que desenlace conduz.
f) Mas, fazendo todo este esforço de ajustamento, podemos ao menos ter a certeza de que o problema será ultrapassado?
Não, não podemos. O número de instrumentos de que dispomos para lidar com esta situação é muito limitado, cingindo-se praticamente apenas à austeridade orçamental (para tentar tornar a dívida sustentável) e às reformas estruturais (para aumentar a produtividade a médio prazo). Enquanto o número de variáveis que não controlamos é muitíssimo maior e muito poderosas. Ao mesmo tempo que lidamos com problemas sistémicos, cujas ramificações também não podemos controlar.
g) Sendo assim, para quê fazer o ajustamento; porque não desistir e ver o que acontece?
Porque se, de um lado, não sabemos se o tratamento resolve o problema, sabemos que, pelo menos, lhe pode diminuir a intensidade, do outro, sabemos que, sem ajustamento, o problema se agrava e as consequências (nomeadamente sociais) serão muito maiores. É um pouco, por exemplo, como um doente a quem é diagnosticado um cancro: sabe que, se fizer quimioterapia, não tem garantias de cura, mas melhora as suas probabilidades de sobrevivência, enquanto que, se não fizer o tratamento, sabe que estará condenado (salvo a ocorrência de um milagre).
h) E não há alternativa?
Há, como alguns já recomendam: fazer o default da dívida e sair do euro… Há quem acredite que os custos seriam menores. Mas a análise dessa alternativa, e a avaliação dos seus custos, já transcende o objectivo desta série e seria demorada. Ficará para outra ocasião.
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