«1. Quando o Memorando de Entendimento nos foi ”imposto” em Maio/Junho deste ano, os cenários e as previsões macroeconómicas de crescimento conduziram a que o modelo adoptado nessas negociações para a economia portuguesa, aceite por todas as partes, devia assentar no crescimento das exportações. Infelizmente, foi o próprio FMI a reconhecer, passados poucos meses que as suas previsões de crescimento dos principais países, para onde exportamos, teriam quebras de cerca de 50% nas taxas de crescimento do seu PIB.
Seria pois natural e coerente, que se ajustasse o modelo e face a um cenário mais do que previsível de menor crescimento das exportações (4,8% contra 6,8 em 2011) se desse alguma relevância ao consumo interno. Não no sentido de o fazer crescer, mas de atenuação do seu ritmo de decrescimento, visando compensar a queda inevitável do crescimento das exportações.
Numa visão estática e perigosa, os nossos governantes esqueceram a realidade económica que os rodeia e elaboraram um orçamento potencialmente suicida. Primeiro, porque não têm agilidade política para negociar o que é evidente, segundo porque adoptaram medidas ainda mais gravosas do que a Troika nos impôs. Chama-se a isto em bom português “ meter a cabeça no cepo”. E quando daqui a cerca de um ano, de acordo com a sua estratégia, forem negociar melhoria de condições, apresentando os esperados resultados, correm o elevado risco ”de se lhe rirem na cara”, dada a elevada probabilidade de não os atingirem. E como Pilatos, dirão que não foram eles que defenderam tais medidas, muito antes pelo contrário.
2. Este orçamento não corta nas “gorduras” do Estado, mas pura e simplesmente no poder de compra da classe média. E corta de uma maneira violenta e desigual. Se o pretendido é um caminho recessivo não o podiam ter feito melhor.
Este governo empunhou como bandeira o corte das despesas excessivas do Estado e a reestruturação da Administração Pública. Perfeitamente de acordo. Mas, descobriu tarde demais que esse trabalho leva muito tempo até se verem resultados. É que é um trabalho de persistência e de método e não de fusões a eito. Como não há tempo para o fazer vá de cortar no que está à mão, com uma força desmedida para atingir um défice obsessivo.
E como grande parte das medidas tanto do lado da despesa como da receita (muitas delas mal balanceadas) vão ter um elevado impacto no crescimento interno, parece-nos perfeitamente irrealista contar com uma redução do PIB de apenas -2,8.
Voltando à receita, e essa matéria aprende-se nas Universidades, o crescimento dos impostos, para lá de um determinado limite tem efeitos perversos. Em matéria de IVA, parece muito optimista o montante orçamentado de receita, face à contracção prevista para o consumo privado, designadamente aos cortes dos subsídios dos funcionários públicos e aposentados. Espero, por exemplo, que alguém tenha feito uma previsão para a receita de IRS para 2013. Como são muito bons em cálculo, não me é permito duvidar.
Ainda do lado da receita, haveria muito mais a dizer, principalmente nos aumentos de IVA de determinados produtos transformados pela nossa industria, que sofrerão aumentos de tal ordem que os tornarão não concorrenciais, provocando efeitos perversos, pelo aumento das importações desses produtos pelas grandes cadeias de distribuição e pelo desaparecimento de mais empresas industriais nacionais e repercussão imediata nalguns sectores agrícolas, para já não falar do impacto a nível do emprego. Para quem tão insistentemente defende, que é preciso dar prioridade aos sectores de bens transaccionáveis, não se consegue entender esse tipo de aumentos, que se transformam em verdadeiros desincentivos.
Na fome da procura de receita, a qualquer custo, veio-se penalizar as poupanças de médio prazo. Num país que precisa de poupança estável, como pão para a boca, penaliza-se quem colocou as suas poupanças para um período longo e acredita numa perspectiva de médio prazo. Já há poucos incentivos a esse tipo de poupança e neste contexto esta medida é no mínimo perigosa e sem qualquer justificação possível.
3. Numa economia carente de financiamento, assusta a forma como não se desbloqueiam os problemas do financiamento bancário, vital para as nossas empresas investirem e exportarem. Há já muitos casos de empresas que têm encomendas firmes destinadas à exportação e não as concretizam por falta de financiamento. Duas medidas urgentes deviam ser tomadas: a) renegociar com a Troika o rácio de 120 (para o crédito concedido/depósitos) imposto à banca, procurando que esse rácio venha a ser atingido de forma mais progressiva e mais correcta; b) enquanto o estado não diminui as dívidas com as instituições financeiras, permitir que parte dos famosos 12 mil milhões autorizados pela Troika sejam autorizados como colaterais para os bancos financiarem as exportações e as empresas com novos investimentos produtivos que permitam um melhor equilíbrio da nossa balança comercial. Claro que para isso é necessário negociar, que parece não ser aptidão deste governo. E não se venha dizer que não é possível, porque o caso da não aplicação da redução da taxa social única é exemplo claro que se pode negociar.
4. Este Orçamento é uma não solução, porque não se socorre de todas as variáveis que tem ao seu alcance. Torna-se numa equação impossível porque não tem em conta a variável tempo. Venho defendendo, há muito, essa abordagem realista. Recentemente, vários comentadores políticos (e não só) deram especial relevo a esse facto. Precisamos de cerca de 6 anos para atingir os objectivos/ défices propostos no memorando de entendimento. Economias muito mais fortes (casos do Reino Unido e da Catalunha) do que a nossa adoptaram prazos semelhantes. É urgente negociar, tendo em conta a variável tempo. Com realismo e inteligência chegaremos a uma equação possível. Só nos podemos indignar senão houver essa inteligência.»
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