quarta-feira, 5 de maio de 2010

A PÓS-NACIONALIDADE, SAUDADES DO FUTURO, E O MEU AMIGO CASTELLS


Diz Castells que o Estado absorveu o tempo e o espaço social.
Diz-nos a experiência termos assistido à mais forte compressão espaço temporal da história social e humana, bem como a percepção de pertencermos a um novo e abrangente espaço – mundo, Estado em Rede formado por Estados Nações, instituições internacionais, ONG’s, governos locais e regionais. Múltiplos são os factores que têm ancorado a crise e o declínio do Estado – Nação a que não é nada alheia essa compressão do espaço e tempo.
Estado destituído de poder ou desconstruído e reconstruído em rede, de sujeito soberano a actor estratégico nas palavras de Castells? Certeza só a de que os limites da vida se quedam, hoje, entre o poder das redes globais e o desafio das identidades singulares. Antes de enumerar, para além dos desafios, cidadania, actores e pós – nacionalidade, alguns dos factores compressores criadores dessa nova ordem apontada por Isabel Estrada, não me contenho, à cause de uma nova dimensão do espaço mundo, de citar Pessoa: «Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura...».
A indiferença perante o Estado - Nação vive, assim, no vórtice deste mundo novo feito de intensos fluxos - globais - de capital, produtos, serviços, tecnologias de comunicação e informação em “teia” muito mais que a força visionária da imaginação de qualquer poeta. Construído por cima dos equívocos Estado e Nacionalidade e identidade e cidadania, parece assim uma construção cada vez mais datada, dado que as nossas lealdades transferem-se para o espaço em que nos movemos e onde lançamos “perfume.” Paradoxalmente, ou talvez não, a legitimação do Estado através da partilha do poder a outros níveis como o regional e o local, tem potenciado essa indiferença perante este Estado – Nação, “esmagado” entre o local e o global.
A força do capital “em busca do maravilhoso” ganho marginal; a transnacionalidade das economias nacionais com toda a panóplia de interdependência dos mercados financeiros e monetários, tudo agora em tempo real; a interdependência dos câmbios nessa coordenação sistémica dos meios de troca; a intensa mobilidade do capital e da criação de valor; a própria transnacionalização da produção sempre à procura da maximização do ganho e da sustentabilidade relacional; as redes de produção e comércio que falam cada vez mais uma ”língua franca”; o declínio da capacidade da base produtiva geradora de receita, arrastada na contradição entre internacionalização do investimento e a base nacional dos sistemas tributários.
O grau de dependência dos países em relação aos mercados de capitais globais e dos empréstimos externos é, assim, fruto da condição do Estado paulatinamente cerceado do seu monopólio de poder. A relação entre crescimento e dependência da dívida externa e a crise fiscal internacional do Estado – Nação entroncam, também, naquilo que são os “fundamentais” de economias cada vez mais dependentes e relacionais.
Perdido o desafio no campo económico e perdido, também, o controlo da informação como pilar do poder do estado na ex-era da informação. Mudança operada na informação por via da tecnologia, posse dos media global, autonomia e diversidade; redes globais de comunicação, audiências locais, entidades reguladoras precárias, “bityzação” do espaço soberano versus espaço mundo. Testemunhos de uma nova expressão sem amarras que globaliza mas também particulariza novos actores, como exemplifica Castells com a Al Jazeera, o poder dos sem poder, segundo Adriano Moreira. Desnacionalização e desestatização da informação, globalização do crime “pela mãe de todos os crimes – a lavagem de dinheiro” (Castells, 2003, p. 379) ligada aos mercados financeiros globais, corrupção, financiamento ilegal partidário, comprometendo a autonomia e o poder de decisão do Estado - Nação.
Privatização do humanitarismo e consenso de Washington dão a noção do contraditório, num espaço mundo onde se desdobra a globalização localizada e os localismos globalizados de Sousa Santos. A globalização dos frequentadores de Bilderberg e Davos, dos grandes conglomerados, das elites nacionais em cartel procurando replicar os seus interesses e privilégios numa nova recomposição global do poder[1], dão a noção dos desafios começarem a ser demasiados e demasiados pesados para o velhinho Estado soberano. “O poder mais junto das populações cidades e regiões do lobby… A actual dança de morte entre identidades, nações e estados deixa os Estado - Nações historicamente esvaziados, vogando nos altos mares dos fluxos globais do poder. O Estado Nação local luta para reconstruir a sua legitimidade e instrumentalidade(Castells, 2003).
A ameaça ao Estado – Providência é outra delas. Os diferenciais de custos do trabalho, sociais inclusos, e de regulamentação entre hemisfério Norte e Sul mas também entre países da OCDE, mais ou menos liberais na intensidade – produtividade. A globalização e a interdependência, castradoras de antigas formas de reposição de equilíbrios, sejam pressões internas ao proteccionismo via tarifas alfandegárias condenadas a represálias e limitadas pela nova O.M.C., seja através do desaparecimento das vantagens comparativas da tecnologia não circulada, hoje in time e em rede.
Desequilíbrio e desafio colocado só passível de superação através de uma ligação necessariamente limitada ao crescimento da produtividade como forma de sustentabilidade do modelo providência, de um contrato social global ou de acordos internacionais de tarifação, modo de evitar a derrocada dos maiores Estados – Providência e da globalização da nova economia em rede ocasionar um baixo denominador comum.
Assim o Estado – Nação perdeu poder para controlar a política monetária, definir orçamentos e evitar PEC´s, Planos de Estabilidade e “não” Crescimento, destrutivos da capacidade instalada e honrar compromissos sociais de um Estado Providência digno e humanizado; perdeu poder económico, mas mantêm-se como actor estratégico interdependente dentro da rede de processos económicos fora do seu controlo, jogando a sua própria sobrevivência e sustentabilidade. Novamente citando Pessoa: «Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.» E o céu, hoje, espelha nuvens carregadas de uma globalização caótica - como a força da massificante Internet criadora - mas simultaneamente destrutiva, operada por um m.d.c. de bem-estar.
Se o direito a ter direitos migrou da 1 para a 2ª geração, dos civis e políticos a sociais, ela definia-se na assunção das personalidades num determinado território geográfico. O Estado Nacional era o lar da cidadania. A virtude cívica da sociedade civil, esfera privada ou não estatal de influência, consoante as construções teóricas, grupos excludentes ao Estado da cidadania, criadora de estruturas institucionais que favorecem a cidadania. Da cidadania liberal, acessória e atomista fixada nos direitos, à cidadania comunitarista de valor de pertença solidária e coesa de reciprocidade de direitos e obrigações, à terceira via comunitarista da democracia social provida de direitos individuais.
A cidadania moderna, fruto da erupção revolucionária Francesa, está relacionada directamente com a formação da consciência nacional, pertença a uma comunidade e herança comum. Os actores ainda vêem o mundo por lentes redutoras, sendo que o seu mundo ainda se mede aos palmos. Soberania democrática da nação e direitos cívicos de cidadania casa com homogeneização da população. O jus soli e o sanguinis iriam aos poucos ser desgastados pelo multiculturalismo das migrações. A cidadania diferenciada e os direitos culturais de cidadania desacoplaram os direitos de cidadania e a identidade. Da polis ao Império, à cidade, ao Estado – Nação, ao agora nosso espaço global ou transnacional, a transição está processada.
A identidade do homem forja-se cada vez mais na assunção das igualdades postas a nú, diferenciadas, e não à territorialidade. O Estado Nação deixa de ser o lar da cidadania. O cidadão da democracia contemporânea é cada vez mais um contribuinte, um usuário, uma espécie de servidor civil global. Textualmente citada, Estrada (Isabel), divisou aqui um concordante “caminho”.  
O esvaziamento da soberania nacional e a nova concepção de cidadania pós-nacional relevam da multiplicidade de filiações e identidades decorrentes do deslocamento das populações. A fidelidade à cultura e nacionalidade de origem com participação na sociedade de instalação rompe o elo entre nacionalidade como comunidade cultural. A nova cultura já é cívico - nacional e não ético – nacional.
Os novos actores transnacionais são não só institucionais, mas cidadãos globais de cinco tipos. O reformador global, humanista, que pugna por um governo mundial ou pelo fortalecimento das Nações Unidas, desterritorializado e associado à condição humana. O homem de negócios transnacional, elitista, com uma cultura global homogénea não nacional. Os funcionários internacionais, administradores da ordem global, pugnando por novas formas de cooperação sustentável como o cidadão Europeu que pugna pela construção de blocos regionais e de uma consciência política supranacional. Por fim o cidadão militante transnacional, cuja arena é o plano/palco internacional, provido de consciência ambiental, de direitos humanos, de defesa da diversidade cultural e da democracia global. Sociedade civil global de um novo espaço público transnacional.
Sustentabilidade, solidariedade, diversidade, democracia e direitos humanos, estes novos actores ultrapassaram a esfera das soberanias movendo-se numa lógica de pertença de só há um mundo… a preservar e passar incólume aos seus filhos!
Isabel Estrada respira optimismo por uma putativa parceria de uma ilimitada sociedade civil não dependente do critério de pertença nacional, na construção de uma boa nova ordem política e social, mais democrática, mais solidária e inclusiva. Porém, a Burocracia Estatal ou global de facto, poderá estar à janela! Mas por agora, a edificação da nova ordem parece mais solidária, democrática, inclusiva e diria, abrangente, não excluindo o Estado e parecendo eliminar o equívoco do Estado e nação, e o de identidade e cidadania.
Nesse sentido o futuro ganhando novas pluralidades, pressupõe e confirma a nova ordem da nossa analisada autora!

[1] E como dói ver uma União Europeia a replicar, no seu interior, as relações de poder dos Estados Nacionais!

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